sexta-feira, setembro 18, 2009

Não basta ser cantora mulher...

A MUSA SEM MÁSCARA

Muitas das "cantoras do rádio" e algumas da atualidade - sem qualquer consciência crítica - emprestaram ou emprestam seus talentos vocais à difusão de canções que depoem contra a imagem da mulher com letras totalmente depreciativas. Evidentemente, isso tudo é porque são, invariavelmente, impulsionadas pelo sucesso alcançado por tais letras e a extensa repercussão alcançada por temáticas desse tipo, perante o grande público a que sempre a música se destinara e que não se tocava ao ouvir mulheres, principalmente, reproduzir ponto de vista, representação, pensamento, idéias, situações ou questões, propositadamente, bruscas, machistas, racistas e misóginas contidas nos versos da narrativa musical .
Vejamos , por exemplo - no período de ouro do rádio - a que ponto chegava a alienação das nossas intérpretes. Basta fazer uma leitura mas acurada das inúmeras letras de músicas gravadas por mulheres - do cast radiofônico - nas décadas de 30 a 50. Veremos, com bastante clareza, que a maioria delas, não tinham critério algum na escolha dos seus repertórios. Principalmente, quando o motivo inspirador dos autores centrava na pessoa da mulher.
Para se ter uma idéia do que estou falando, escolho aqui, uma música de 1950, intitulada "Nega Maluca", autoria de Evaldo Rui e Fernando Lobo. Renato Vivaccqua revela no seu livro Música Popular Brasileira (história da sua gente) que os autores da música e letra fizeram na intenção de entregar para ser gravada por um intérprete homem. Tanto é que, ela foi oferecida a dois cantores, inicialmente. Mas, os dois recusaram-se terminantemente a gravá-la alegando o caráter extremamente depreciativo da personagem mulher. Enfim, terminou sendo lançada na voz de uma cantora.
Agora, prestem toda atenção possível na temática da música, trancrita ipse litere:
Tava jogando sinuca
E uma nega maluca
Me apareceu.
Vinha com o filho no colo
E dizia pro povo
Que o filho era meu:
Meu senhor,
Toma que o filho é seu!
Meu senhor,
Guarda o que Deus lhe deu!
Há tanta gente no mundo
Mas, meu azar é profundo.
Veja você meu irmão,
A bomba estouro na minha mão.
Tudo acontece comigo,
Eu que nem sou do amor.
Até parece castigo,
Ou então, influência da cor.
Facilmente, pode-se detectar que o teor dessa música evidencia um preconceito duplo contra o gênero feminino: primeiramente, o racial discriminador da mulher negra, que a detratava em função da cor da pele(não sei se posso afirmar aqui com tanta certeza que a mulher negra naquelas décadas era mais discriminada e se hoje é menos. Aí fica a duvida cruel: SERÁ!?!?!). O outro preconceito que recaia sobre a mulher em geral e é mais evidente quando se referia a mulher negra, era o preconceito moral, o qual, penalizava a mulher mãe solteira - sem dó nem piedade. Sem contar que, a letra na sua essência, era uma exortação à paternidade irresponsável, tão comum , ainda hoje, ao homem brasileiro.
Continuo em breve

segunda-feira, setembro 14, 2009

Nós Fomos as Cantoras do Rádio

Mulher: a musa inspiradora
No primeiro capítulo do livro que escrevi em 1992, editado pela Rosa dos Tempos e com distribuição exclusiva pela Record eu tratei da questão gênero na MPB ao abordar a ausência da voz da mulher nas letras que falam sobre ela própria.
Leiam mais abaixo o texto transcrito, quase que na íntegra, para depois dizer o que acham.
Qualquer comentário será de grande valia para mim porque estou em processo de pesquisa para o próximo livro onde pretendo continuar esse mesmo tema, só que, revisto, aumentado e atualizado.
Alguns trechos do primeiro capítulo do livro:
"A MUSA SEM MÁSCARA
Imagem da mulher na música popular brasileira"
Parafraseando o compositor popular, "há sempre uma imagem de mulher" a percorrer todo o universo da música popular brasileira. No entanto, até bem pouco tempo, ela aparecia apenas ocupando o papel de musa inspiradora, refletida pelo imaginário masculino que, por sua vez, influencia o imaginário coletivo.
Essa ênfase à "musa" deve-se a uma concepção machista da sociedade, que sempre estabeleceu a criatividade como um privilégio masculino. Para a mulher - em virtude de sua capacidade biológica de reprodução - reservou-se apenas a possibilidade de criar filhos. É com base nesse argumento falacioso, desprovido totalmente de comprovação científica, que os homens determinaram para si a exclusividade da autoria musical. (aqui cabe uma ressalva: essa prerrogativa não foi ou é exclusividade da criação musical). Sempre ocorreu em todas as potencialidades intelectuais da espécie humana, seja no campo das artes, das ciências, da política ou nos empreendimentos produtivos.
Ser cantora, até bem pouco tempo, era o máximo de concessão permitida às mulheres. A voz da mulher foi por muito tempo usada somente para reproduzir um discurso totalmente androcêntrico(masculino, por excelência) portador de uma ideologia sexista, racista, étnica e lesbofóbica. Nem de longe, as composições referentes à mulher vislumbravam qualquer possibilidade de relações igualitárias de gênero e raça. Ao ressaltar - de toda e qualquer maneira - a figura da mulher nas canções, não levavam em conta sua autonomia social. Também, nunca consideravam a possibilidade de desconstruir a narrativa musical hegemônica acerca das relações de gênero, contida indefinidamente nas letras da canção popular brasileira. Fosse qual fosse o momento histórico ou o contexto sócio-econômico-cultural os argumentos depreciativos à mulher, sempre foram uma constante, reiteirando preconceitos de toda ordem, ancorados em uma série de opressão e discriminação.
Compor era uma atividade implícita ao homem. Só ele era considerado mentalmente apto a desenvolver tal atividade artística. A disseminação dessa idéia generalizada que consolida a capacidade intelectual como natural ao homem, só fez contribuir para sustentar o mito da superioridade masculina. Dessa forma se estabelecia uma relação ventríloca entre o "criador (nesse caso o homem) e a "criatura"(mulher). A mulher cantora e musa, fica assim submetida a uma vontade que não é sua, apenas, como objeto e não SUJEITA de sua própria história.
CONTINUA DEPOIS