quinta-feira, fevereiro 12, 2009

MULHERES QUE DERAM UM BASTA

Carlota Pereira de Queiróz - única mulher na constituinte de 1934.

Pela primeira vez no Brasil uma mulher é deputada constituinte.


Cabe aqui um lembrete às mulheres contemporâneas – final do século 20 / século 21 – que hoje levam uma existência independente e podem fazer suas próprias escolhas de vida. Não se iludam pensando que não sofrem mais de nenhuma restrição. Ledo engano!!!!!
Logo, é bom saber que nada nos foi dado gratuitamente e de mão beijada, nem muito menos de uma hora pra outra. Conforme ditado popular, “Muita água correu por baixo da ponte” pra chegarmos aonde chegamos e sermos o que somos.
Tudo que temos agora tem sido conquistado palmo a palmo não só por muitas que nos antecederam lutando pelo voto, o acesso ao ensino e ao trabalho, sem nunca, em momento nenhum esmorecerem na cruzada intensa pela autonomia plena. Para tanto, elas bateram de frente com o poder patriarcal constituído que as consideravam cidadãs de segunda classe e lhes negava a obtenção dos direitos democráticos básicos, inalienáveis, fundamentais, essenciais, imprescindível e indispensável a todo ser humano.
Depois do grande passo dessas audaciosas mulheres denominadas sufragistas – ativistas que militaram sem trégua entre o final do século 19 e primeiras décadas do século 20 para nos garantir os primeiros ganhos – nós hoje, suas sucessoras engajadas no movimento de mulheres continuamos incansáveis como feministas e se temos conseguido importantes avanços como cidadãs nos mais diversos espaços, inclusive no campo profissional e político, ao ponto de elevar o nosso grau de participação em pé de igualdade com os homens em todos os recintos sociais e econômicos, antes apenas ocupado somente por eles, uma coisa é certa: estamos há mais de meio caminho andado para acabar com as barreiras culturais, ideológicas, psicológicas, econômicas e sociais. No entanto, ainda há muito a ser conseguido por nós todas em termos de conquista para eliminar de vez a marginalização e a discriminação a que ainda estamos sujeitas em função das relações desiguais de gênero onde a construção de identidades sexuais decorre diretamente das potencialidades de poder e dominação, força, habilidade, coragem, estabelecidos como próprios da masculinidade em contraposição as limitações definidas como próprias da essência passiva da natureza feminina circunscrita à obediência, subordinação, fragilidade, beleza e tudo o mais que limite a capacidade de auto-estima e emancipação nas mulheres.


Bem finalizo esse papo, com um verso da música ”Pra começar”, composição feita, em parceria por Marina Lima e Antônio Cícero, em 1986.


Pra começar
Quem vai colar
Os tais caquinhos do velho mundo
Pátrias, famílias, religiões
E preconceitos
Quebrou não tem mais jeito (...)

Dolores e Maysa - Quebra de Paradigmas

Dolores e Maysa passam a atuar como compositoras no momento exato em que ocorre no cenário musical, o início da ruptura entre o velho e o novo. Ouvem-se os primeiros acordes dissonantes da bossa nova e, ao mesmo tempo, se prenuncia no corpo social um novo tempo para as mulheres. Elas aparecem impondo seus pontos de vista e falando, pela primeira vez, de sentimentos e ressentimentos, sem fazerem de suas palavras o eco da palavra dita feminina.
Podemos também atribuir as duas a difusão de um estilo mais intimista e coloquial na nossa música popular urbana, que ficou conhecido mais tarde como música de fossa. Se a maioria das canções autorais revelava angústia existencial, é porque sentiam na alma o que representava para a mulher a busca de identidade e a consciência do direito de poder e ter desejos individuais. Isto quando a regra geral determinava que devessem somente desejar o bem-estar e a felicidade dos seus, esquecendo totalmente de si mesmas. Individualmente, ao quererem cada uma, do seu modo, ter uma vida independente, afastaram-se do modelo instituído, desfazendo-se de alguns padrões de feminilidade “naturais” da mulher do seu tempo.
E não é fácil ser diferente, principalmente quando essa postura perante a vida significa insubmissão e vontade de mudar. Se por um lado é gratificante, por outro é bastante penoso, porque envolve perdas, solidão e degredo social. Tudo isso ficou registrado nas letras de música que fizeram.
As duas deixaram uma produção musical restrita, devido a morte prematura de Dolores em 1959 e ao exílio voluntário de Maysa em 1961 (passou a cantar muito mais músicas de outros autores do que compor suas próprias canções).
Mas é importante recuperar sempre na memória musical o caráter revolucionário de suas composições considerando principalmente o momento em que foram lançadas.

Ô ABRE ALAS, QUEREMOS PASSAR

Ao fazer um tributo a Dolores e Maysa eu não poderia neste blog deixar de prestar, também, uma homenagem a Chiquinha Gonzaga, que brilhou entre dois séculos ficando no Panteão da Música Brasileira altamente reconhecida – maior entre maiores – como grande compositora e maestrina (mesmo que eu tenha ressalvas às letras em que ela fala da mulher, pois não diferem nem um pouco do discurso masculino da sua época). Afinal, admito que nesse caso seria querer demais. Estamos nos reportando a um tempo onde mulher era um zero a esquerda na sociedade. Daí, para coadunar uma conduta pessoal rebelde e combativa a um discurso contestador, reivindicativo que manifestasse o pensamento feminista como é expresso atualmente seria praticamente inadmissível. Mas, bem que seria o máximo da glória ouvir em algumas das suas composições uma defesa veemente da integridade sexual da mulher e pela transformação de papéis sociais, batendo de frente contra o imaginário coletivo eminentemente masculino, daquela época, não é mesmo?
Deixando as elucubrações de lado o que importa aqui é o fato dela ter sido altamente precursora na sua vida de mulher e artista profissional ao ter a audácia aguerrida de enfrentar todos os preconceitos de gênero que recaiam sobre seu sexo. Mostrou que sua especificidade genética de “fêmea criadora” não lhe impedia a criatividade musical.
Como legado de toda uma vida produtiva – além da recompensa da vitória nas lutas empreendidas pela abolição da escravatura e também em favor de sua própria libertação, ao fazer pouco caso dos grilhões morais com que tentaram acorrenta-la a uma vida comum de perfeita dona de casa mostrou que tudo que fez valeu a pena. E como valeu! Ela deixou-nos um acervo de mais de duas mil composições.

Ela lutou, pariu, criou.
Ela é da lira
Quem há de negar?