terça-feira, maio 10, 2016

Dona Ivone Lara & Dra. Nise da Silveira: vidas diametralmente oposta se encontram por um mesmo objetivo

"Dona Ivone Lara  se formou em Serviço Social e trabalhava no Hospital Psiquiátrico Pedro II e , onde se localiza o Museu de Imagens do Inconsciente (hoje Hospital Nise da Silveira) quando, em 1946, doutora Nise criou a Seção de Terapia Ocupacional que Mavignier, também funcionário do hospital, transformaria em ateliê de arte. Militante de esquerda, Nise havia sido presa em 1936 pela ditadura Vargas. Ficou dois anos presa e oito anos afastada do serviço médico. Quando voltou, em 1944, graças à anistia, técnicas violentíssimas como o eletrochoque, a lobotomia e o coma induzido por insulina haviam se tornado práticas corriqueiras. A psiquiatra passou a se opor radicalmente a elas e optou por se dedicar ao “trabalho menor”da Terapia Ocupacional.

Se Nise foi a fortaleza que se opôs à violência médica, Ivone foi a menina negra e órfã do subúrbio que, criada em um internato na Tijuca, muito cedo teve seu talento musical descoberto pela professora Lucília Villa-Lobos, mulher do maestro Heitor Villa-Lobos. Enquanto Nise estava na cadeia por se opor à ditadura Vargas, Ivone cantava nos coros regidos por Villa-Lobos no Estádio São Januário, em festas que, se tinham suas virtudes, serviam também como espetáculos um tanto fascistas para aclamar o ditador.

Os caminhos dessas duas mulheres - Nise e Ivone - começaram a se encontrar em suas precocidades: se Ivone criou seus primeiros sambas-de-roda ainda menina, mesclando sua consistente formação escolar à tradição ancestral africana e rítmica de Madureira, Nise entrou na faculdade de medicina com 15 anos, e se formou aos 21, em uma turma da qual era a única mulher.

Em 1946, quando Nise e Mavignier implantaram o ateliê de pintura no Engenho de Dentro, Ivone tinha 25 anos e era compositora há mais de dez. Sua família foi um dos núcleos fundadores do bloco Prazer da Serrinha, e dele nasceria, em 1947, a escola de samba Império Serrano. Já casada, mãe de dois filhos, ela trabalhava como enfermeira e assistente social para ajudar nas despesas domésticas. Teve papel fundamental na revolução empreendida no e pelo “coração da loucura” a que se refere o filme de Berliner.

Nise acreditava que seus “clientes” com doenças psiquiátricas não deveriam ficar em leitos, a não ser para dormir, já que não estavam acometidos por problemas do corpo e sim da psique. Além da Terapia Ocupacional, buscava aproximar os “clientes” de suas famílias, para que o afeto germinado desses elos colaborassem também com a reintegração psíquica, minimizando a cisão provocada pela esquizofrenia.

Ivone percorreu quilômetros de estrada para os municípios do Rio e estados vizinhos, localizando mães, pais, avós e tios que haviam abandonado seus familiares no hospital, acreditando que não havia mais nada a ser feito por eles – afinal, esse era o diagnóstico que ouviam dos próprios médicos. Além disso, colaborou para que a música também pudesse ser remédio para aquelas pessoas dadas como perdidas.

Prima de um operário da fábrica de tecidos Nova América, hoje um shopping popular no Rio, Ivone conseguiu patrocínio da indústria para a compra de instrumentos musicais no Engenho de Dentro. Com isso, criou uma oficina de música, que passou a apoiar festas e eventos de socialização entre “clientes”, familiares e funcionários no hospital. A oficina gerou um bloco de carnaval, o Loucura Suburbana, que até hoje desfila anualmente pelas ruas vizinhas ao hospital. Quem nunca foi, deveria incluir na agenda do próximo carnaval essa experiência transformadora.

Se hoje o Brasil é machista, não é difícil imaginar como era no fim dos anos 1940. Por isso é ainda mais bonito pensar no encontro entre Ivone e Nise como uma espécie de pororoca. Duas correntezas que precisaram criar ondas gigantes, mas que souberam também cantar baixinho “Espalhe amor por onde for /Quem sabe amar destrói a dor”, como ensina um dos mais lindos sambas de Ivone Lara."

Fonte: Matéria da jornalista Daniela Name, transcrita na página do Faceboock de Bernardo Carneiro Horta escritor  do livro: Nise - Arqueóloga dos Mares www.facebook.com/bernardo.carneirohorta

Veja a letra da música citada na íntegra:
Sorriso de Criança
Autorias: Dona Ivone Lara - Delcio Carvalho
 
Sorria mais criança pra não sofrer
Eu vi você, criança, no alvorecer
O sol se abrindo aos encantos de uma flor
Realizado o sonho....de um grande amor
Eu embalei....eu embalei
Nos braços meus criança...eu embalei
Eu embalei....eu embalei
Nos braços meus criança...eu embalei
E aprenda lutar pela vida pra se prevenir
Conheça todas as maldades pra não se iludir
Espalhe amor por onde for
Quem sabe amar destrói a dor
Seja todo seu viver
Um mundo cheio de prazer
Espalhe amor por onde for
Quem sabe amar destrói a dor
Seja todo seu viver
Um mundo cheio de prazer
Eu embalei
.

Filme Imperdível- "Nise, O Coração da Loucura"

A enfermeira Ivone, vivida no filme "Nise - O Coração da Loucura" por Roberta Rodrigues é a grande compositora e cantora Dona Ivone Lara. Ela colaborou com a Dra. Nise e o pintor Almir Mavignier na implantação do ateliê de arte do Engenho de Dentro. Além de localizar parentes dos internos, percorrendo quilômetros para reintegrá-los às suas famílias, Ivone inventou uma oficina de música que é a semente do bloco de carnaval Loucura Suburbana, que até hoje desfila no carnaval carioca.