segunda-feira, dezembro 16, 2019

Cinema / Gênero / Negritude

Hattie McDaniel: a cruel história de uma atriz que ganhou um Oscar e desafiou a sociedade

80 anos após a estreia de ‘E O Vento Levou’, recordamos o relato mais chocante e triste em torno do clássico: o da intérprete afro-americana, lésbica e corajosa.
Hattie McDaniel com Vivien Leigh, que deu vida a Scarlett O’Hara. A personagem da empregada Mammy era a única que se atrevia a desafiar a voluntariosa Scarlett.
Hattie McDaniel com Vivien Leigh, que deu vida a Scarlett O’Hara. A personagem da empregada Mammy era a única que se atrevia a desafiar a voluntariosa Scarlett




Ela protagonizou um dos filmes mais famosos da história do cinema, E o Vento Levou, mas foi proibida de comparecer à estreia; transformou-se na primeira atriz negra a ganhar um OSCAR, mas não pôde se sentar na mesma mesa que seus colegas de elenco; foi relegada a papéis de empregada pelos brancos e rejeitada pelos negros, que não entendiam sua adesão ao estereótipo com o qual Hollywood havia reduzido sua raça. Morreu sem um tostão, e seu Oscar foi levado pelo vento, mas ela sempre foi fiel a si própria. E sua melhor frase não foi escrita por nenhum roteirista, mas por ela mesma: “Prefiro interpretar uma criada por 700 dólares a ser uma por 7.” Chamava-se Hattie McDaniel, e suas luzes e sombras estarão para sempre unidas à história do cinema.
No testamento, ela pediu duas coisas: ser enterrada no cemitério Hollywood Forever e que seu Oscar fosse entregue à Universidade Howard. Após sua morte, recebeu sua enésima bofetada: o cemitério não aceitava negros, por mais famosos que fossem

Hattie McDaniel (Kansas, EUA, 1893; Los Angeles, EUA, 1952) era a caçula dos 13 filhos de um casal de escravos libertos que havia chegado ao Kansas fugindo da extrema pobreza. Mais afeita ao ritmo gospel interpretado por sua mãe na igreja que aos livros, ela não demorou a subir nos palcos para contribuir com a paupérrima economia familiar. Não sabia ao certo qual seria o seu futuro, mas tinha certeza de que não queria seguir o caminho da servidão ao qual pareciam condenadas as mulheres negras. Preferiu formar, com dois de seus irmãos, um grupo de vaudeville no qual sua veia cômica logo se destacou. “Ela foi radical em muitos aspectos”, escreveu sua biógrafa Jill Watts em Hattie McDaniel: Black Ambition, White Hollywood (ambição negra, Hollywood branca). “Atuava com a cara pintada de branco, algo que nenhuma mulher fazia na época”, resumiu Watts.