Quando, uma mulher ou outra, conseguia a duras penas formar-se em Direito, ficava por força de um sistema machista excluída do exercício da magistratura e não podiam – nem por sonho – disputar em concurso público uma vaga para entrar como juíza, procuradora ou desembargadora. Tanto é que a catarinense Thereza Tang, primeira magistrada brasileira, que assumiu em 1954 o cargo de juíza substituta com a devida permissão, feita por escrito do marido, teve que ouvir uma advertência explícita do presidente do Tribunal de Justiça: “A senhora tomou posse como juíza; a senhora é o teste.” Logo, ficava praticamente impossível à mulher botar a mão na colher pra mexer nas leis, totalmente misóginas e androcêntricas - legisladas cuidadosamente, para deixá-las sob a tutela de pais e de maridos.
Cabe aqui um parêntese necessário para que se tenha noção exata da posição jurídica da mulher no tempo de Maysa: pasmem, mas no Código Civil éramos todas equiparadas às crianças, a população indígena e pessoas consideradas loucas. A situação jurídica de nós mulheres, só atenuou quando, em 1962, entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada. Daí em diante, o marido deixou de ser o chefe absoluto da sociedade conjugal e a incapacidade feminina para alguns atos foi invalidada, entre eles, os seguintes: poderíamos nos tornar economicamente ativa sem necessitar da autorização do marido e passamos a ter o pátrio poder compartilhado além do direito à tutela das crianças (fruto da união civil legitimada pelo casamento) bem como, requisitar a guarda em caso de separação.
Nesse clima de contra-senso é que Maysa começou sua carreira artística consagrando-se logo no lançamento das suas primeiras composições no ano de 1956 entre elas “Ouça”:
Ouça,
E, “Meu Mundo caiu”:
Meu mundo caiu
Com suas composições contundentes e incisivas, atingiu logo, sucesso total, porque uma quantidade enorme de mulheres se identificava com ela em cada uma das temáticas abordadas. Naquele período, muitas também, se defrontavam com a dissolução do casamento. O que valeu a Maysa uma empatia generalizada por parte dessas mulheres, foi o fato dela passar nas suas músicas uma mensagem insurgente, revertendo à condição de vítima para assumir uma postura de auto-suficiência absoluta, como podemos observar na antológica letra “Resposta”:
“Ninguém pode calar dentro de mim
Essa chama que não vai passar.
É mais forte que eu
E eu não quero dela me afastar.
Eu não posso explicar como foi
E nem como ela veio.
E só digo o que penso,
Só faço o que gosto
E aquilo que creio.
E se alguém não quiser entender
E falar, pois que fale.
Eu não vou me importar com a maldade
De quem nada sabe.
Se a alguém interessa saber:
Sou bem feliz assim.
Muito mais do que quem já falou
Ou vai falar de mim.”