sexta-feira, novembro 06, 2009

Letras Que Induziam a Violência Contra a Mulher



SÉCULO XX

De tudo que ficou gravado no intenso repertório da música popular brasileira do século 20, sem sombra de dúvida, nada há de mais terrível e execrável do que as letras que estimulavam abertamente a violência contra a mulher.
Autores, os mais conceituados, compunham canções exortando – sem dó ou piedade – o cometimento desse ato doloso executado pelo homem como se isso fosse coisa mais banal do mundo.
Durante a pesquisa que fiz para escrever o Livro "A musa sem máscara - Imagem da mulher na música popular brasileira", ao me concentrar bem detalhadamente nessa temática, verifiquei que esse tipo de assunto, quando abordado pelos letristas, fazia o maior sucesso entre o público ouvinte, independente do sexo a que pertencesse.
Basta dar uma espiada, no conjunto musical da música popular, que se destacou nas “paradas de sucesso” por todo o século passado. Encontraremos, facilmente, versos escritos com a nítida intenção de induzir os homens, em geral, a ter atitudes ameaçadoras contra toda mulher, inclusive, aquela que não fazia parte do relacionamento pessoal e social mais imediato de cada homem.
Qualquer uma que ameaçasse o poder que eles detinham na sociedade ficava a mercê de todo tipo de hostilidade, do insulto à agressão física, como se pode observar numa composição de 1920:
"ALIVIA ESTES OLHOS" ou "EU QUERIA SABER"
Samba de J. B. da Silva (Sinhô) Canta: Francisco Alves
Eu queria saber porque é
Que este homem bateu na mulher
Que mulher engraçada e adorada
Que se acostumou com a pancada!
Ai, como é bão querer
Sofrer calada, sem ninguém saber,ai!
Alivia estes olhos pra lá
Que ainda ontem eu fui me rezar
Tenho medo deste olhar
Que procura-me a vida atrasar.
Ai, como é bão querer!
Sofrer calada, sem ninguem saber, ai!

HOMEM QUE AMA BATE EM MULHER?????
QUE HORROR!!!!!!

Já chegando ao final da década de 20 , o mesmo cantor torna a gravar um samba de sua autoria em parceria com Freire Junior, que chegava a ser de um contra-senso de doer e de uma bizarrisse sem conta. Entretanto, de tanto sucesso alcançado, a música saiu gravada em dois selos diferentes. O primeiro intitulado de "Malandro" e o segundo, recebeu o título "Amor de malandro". Além de editada em disco, seu lançamento dava-se, também, no Teatro de Revista, na burleta de Luiz Iglézias que levava o mesmo título. A letra, por sua vez, dispensa maiores análises pela maneira natural com que trata o fato em si: afirmar tamanho despautério que não é nada demais homem bater em mulher. A impressão que se tem é que essa prática contava na época com a aprovação social, pois a letra ficou anos nas paradas de sucesso radofônico.

"MALANDRO" ou "AMOR DE MALANDRO"
1929
de Francisco Alves e Freire Junior
canta Francisco Alves
Vem, vem
Que eu dou tudo a você
Menos vaidade
Tenho vontade
Mais é que não pode ser.
O amor é do malandro, oh meu bem!
Melhor do que ele ninguém
Se ele te bate
É porque gosta de ti
Pois, bater-se em quem não gosta
Eu nunca ví!
MULHER GOSTA DE APANHAR????
AÍ, DIZER TAMANHO DISPARATE, JÁ É MISOGINIA DEMAIS
Pra se ter ideia da concepção coletiva machista na sociedade brasileira é perceber nos conjunto musical do seu repertório, que, não era nada demais, para um cantor extremamente famoso e admirado, interpretar músicas que deixavam entrever um enfoque extremamente machista. Ainda mais, quando chega a cantar em dueto com Célia Zenatti (atriz e cantora de revista, com quem viveu 28 anos) a marcha carnavalesca - "Que m'importa". Nessa música , a dupla exaltava a famosa prédica de que "pancada de amor não doi" e, o que é pior: insinuar, abertamente, pela voz de uma intérprete, que mulher não se importa quando as leva. Atente para os seguintes versos:
"QUE M'IMPORTA"
1931
Macha de Joubert de Carvalho
FA - Estão dizendo que você vai apanhar
CZ - Que m'importa! Que m'importa!
(...)
Cz - O amor o amor
com pancadinha tem até outro sabor ...


Todas essas composições estão claramente contextualizada à conjuntura política da época. É o caso de da música "Dá nela", lançada em 1930. Obteve o primeiro lugar num afamado concurso de música carnavalesca do então Distrito Federal. A referida temática -transcrita por inteiro logo abaixo - enfaticamente, induzia os homens, a espancarem as mulheres apenas com a alegação de que elas estavam falando demais como é de se notar seguindo a letra à risca:

"DÁ NELA"
1930
Autoria: Ary Barroso
Canta: Francisco Alves

Esta mulher
Há muito tempo me provoca
Dá nela!
Dá nela!

É perigosa
Fala mais que pata choca
Dá nela!
Dá nela!

Fala, língua de trapo
Pois da tua boca
Eu não escapo.
Agora deu pra falar abertamente
Dá nela!
Dá nela!

É intrigante
Tem veneno e mata a gente
Dá nela!
Dá nela!


A bem da verdade, o título provocativo da música – que se repetia com o mesmo refrão entre uma frase e outra – tinha uma razão de ser para os conservadores machistas das primeiras décadas do século XX.
Pois, não eram eles defensores ferrenhos de uma sociedade misógina ao extremo, carregada sobremaneira de preconceitos éticos/morais, totalmente desfavoráveis ao desejo de autonomia demonstrado pela mulher nas primeiras décadas do século 20?

E, diga-se de passagem, ainda bem que tal aspiração daquelas nossas antepassadas – ferrenhas ativistas na luta pela emancipação da mulher – não foi em vão, pois
haveremos de convir sem nem pestanejar que por certo, o vozerio das feministas (na época identificadas de sufragistas), configurou-se como um levante muito bem estruturado no que diz respeito à defesa dos direitos das mulheres.
Fato é que, naquele tempo, de tanto o movimento de mulheres botar a boca no trombone, propagando em alto e bom som, suas reivindicações para obter melhoria da qualidade de vida - a toda mulher - no campo educacional, do trabalho (quer dizer - trabalho fora das fronteiras domésticas), liberdade de expressão, posssibilidade concreta de poder ir e vir sem depender da tutela de um ou mais homens.
1º PASSO PARA CONQUISTAR CIDADANIA PLENA
A essa plataforma de luta para obter espaço próprio na esfera pública foram foram sendo incorporadas outras questões relativas a emancipação da mulher e em defesa da igualdade de direitos e deveres que lhe era negado, na relação entre os sexos, de modo que, pudesse contar como um ponto a mais a favor que lhe garantisse alçar à condição de cidadã. Assim, iam as SUFRAGISTAS, anunciando pra quem quer que fosse, suas idéias paradigmáticas onde estava incluída a defesa intransigente do voto para a mulher. Enfim, de tanto falar, falar e falar demais ”que nem pata choca", exprimindo suas razões, argumentando e reivindicando seus direitos políticos, finalmente chegaram ao que queriam.
Em 1932, ganharam o direito de votarem e serem votadas, em todo o território nacional.

Nesse mesmo ano em que as mulheres deram esse passo à frente na conquista da cidadania, a mesma temática falaz pregando a violência contra a mulher vai continuar sendo lançada e editada por inúmeras vezes, sempre caindo no gosto do público ouvinte e alcançando invariavelmente sucesso absoluto, tanto em discos como nos teatros de revista.
Numa das músicas, podemos observar na sua letra, a tentativa do autor, em reproduzir como autêntico e verídico, o chavão sádico, comumente repetido por quase todas as pessoas, de que "mulher gosta de apanhar". Quem sabe, era uma maneira capciosa dele, de tentar justificar o alto índice de agressões dolosas – sem penalidade jurídica alguma – passíveis de acontecer a toda e qualquer mulher.
A letra transcrita na íntegra, também laureada com o primeiro lugar no primeiro concurso oficial de música carnavalesca é de não se acreditar tamanhaafronta que se dirige a alguém


"MULHER DE MALANDRO"
1932
Autoria: Heitor dos Prazeres
Canta: Francisco Alves

Mulher de malandro
Sabe ser
Carinhosa de verdade
Ela vive com tanto prazer
Quanto mais apanha
A ele tem mais amizade.
(Longe dele tem saudade)
Ela briga com o malandro
Enraivecida
Manda ele andar
Ele se aborrece e desaparece
Ela tem saudade, vai procurar.
(falado - Há um ditado muito certo:
Pancada de amor não dói)
Muitas vezes ela chora
Mas não despreza o amor que tem
Sempre apanhando e se lastimando
Perto do malandro se sente bem.
(falado - Êh! meu bem
O malandro também tem seu valor).


Agora pasmem!!!!!
Essa música foi um sucesso estrondoso que ultrapassou décadas sendo executada nas rádios e em outros meios de comunicação musical. Tanto é que, foi regravada no ano de 1987 – em dueto, por Ângela Maria e Caubi Peixoto – para compor uma coletânea de 50 músicas sobre mulher consideradas as melhores do século 20. Entraram na seleção também as famosas e desvirtuadas Ai, que saudade da Amélia e Emília, enaltecidas pelo único e definitivo papel de serviçais domésticas a que estavam submetidas a desempenhar no recinto doméstico.
UM DETALHE IMPORTANTE A SE DESTACAR
O disco patrocinado pelo Banco do Brasil, por mais absurdo que possa parecer, foi em favor da “Campanha do Aleitamento Materno”.

E A PANCADARIA VIRA MODA MUSICAL
Ainda teve no referido carnaval de 1932, o samba enredo da Escola de Samba “Vai como pode”, a atual Portela, escrito e musicado para desfilar naquele ano referindo-se a mesma temáica insidiosa sobre a questão da violência contra a mulher:

"DINHEIRO NÃO HÁ"
1932
Lá vem ela chorando
O que é que ela quer
Pancada não é, eu já dei
Mulher da orgia
Quando começa a chorar
Quer dinheiro
Dinheiro não há
Carinhos eu tenho demais
Pra vender e pra dar
Pancada também
Não pode faltar
Mas dinheiro
Isso não dou a mulher
Faço descer à terra o céu
E as estrelas se ela quiser
Mas dinheiro não há...


Lamartine Babo lançou, também, em 1932, a marcha carnavalesca, onde a letra, seguia o mesmo padrão do espancamento como se fosse essa prática violenta, a coisa mais natural de se fazer à mulher. Nos vários versos, reclamavam as mudanças que estavam acontecendo com relação ao comportamento das mulheres. E, outra vez, insistia o autor, em afiançar, continuadamente, na sua música, qual deveria ser a maneira indicada para conter as mulheres. Quer dizer: quando e lasnão seguiam mais a risca, a cartilha das “boas maneiras femininas”, adotando por conta própria, um outro modo de proceder:
“SÓ DANDO UMA PEDRA NELA”

Mulher de setenta anos
Já cheia de desenganos
Que usa vinte e cinco gramas
De vestido na canela
Só dando com uma pedra nela!
Só dando com uma pedra nela!
Menina que pede esmola
Com um cofre de ferro imenso
Que pede pra Santo Onofre
Pra levar pra São Lourenço
Só dando uma pedra nela!
Só dando uma pedra nela!(...)




Nesse mesmo ano, outras músicas foram lançadas sendo bastante divulgadas, batendo na mesma tecla repulsiva de pancadaria contra a mulher, de maneira a incitar, pelo teor das letras, a violência praticada, usualmente, de vários modos, onde é possível constatar mais versos execráveis, NA VOZ DE CANTORAS:

Mulher indigesta – 1932 – Autoria – Noel Rosa - Canta Aracy de Almeida: Mas que mulher indigesta! Indigesta! Merece um tijolo na testa"(...) O que merece é entrar no açoite(...)
Mulato de qualidade – 1932– Autoria – André Filho – Canta – Carmem Miranda: Eu gosto dele / Porque ele é um mulato de qualidade / Vivo feliz, no meu canto sossegada/ Tenho amor e carinho, oi / Tenho tudo e até pancada(...)
Mas, nem pensar que tamanha insídia musical vai parar por aí. Esse tema continuará a perpassar todo o século 20, haja vista, as letras que coletei antes e depois da década de 30.


quinta-feira, outubro 08, 2009

NÃO PERCAM


EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA, DE 15 A 25 DE OUTUBRO,
NA REPRESENTAÇÃO REGIONAL DO NORDESTE DO MINISTÉRIO DA CULTURA


1000 MULHERES PELA PAZ AO REDOR DO MUNDO
Exposição trará fotos das concorrentes ao Prêmio Nobel da Paz 2005.
São mil rostos que se tornaram ícones na luta pela paz, segurança humana e justiça.


Para o Prêmio Nobel da Paz 2005, a associação suíça Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, com o apoio da Unesco, propôs a indicação de 1000 mulheres que, em 150 países, representavam as lutas contra a violência e a discriminação, contra a opressão e a miséria, em inúmeros espaços e frentes.

O Comitê do Prêmio Nobel 2005 não premiou o coletivo das mulheres, mas a articulação internacional que levou à seleção dos 1000 nomes mobilizou diferentes campos da sociedade, revelando a garra e a diversidade da atuação das indicadas, apesar dos múltiplos empecilhos que encontram no seu dia-a-dia.

Agora, seus rostos estarão fixados nas imagens da Exposição Fotográfica 1000 Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, num convite à continuidade e ao aprofundamento da ação das mulheres e de toda a sociedade na promoção da paz, dos direitos humanos, da justiça e da segurança. A abertura do evento acontece em 15 de outubro, quinta-feira, às 18h30, na Representação Regional do Nordeste do Ministério da Cultura.

No Brasil, a coordenação do processo de mobilização e seleção teve à frente Clara Charf, ativista e militante dos direitos das mulheres de longa e reconhecida história, com o apoio de várias representações do movimento de mulheres, feminista, popular, sindical e da academia. Mais de 300 mulheres foram indicadas por pessoas e organizações do País. Em uma difícil tarefa, a Comissão de Seleção chegou a 52 nomes, notáveis pelas suas lutas e trabalhos nos quilombos, nas aldeias, no campo, em vilarejos, cidades, megalópoles. E seus rostos e perfis são também homenageados na publicação Brasileiras Guerreiras da Paz, cujo lançamento acontecerá no dia da abertura da Exposição.

As iniciativas são uma realização da recém-criada Associação Mulheres pela Paz, presidida por Clara Charf, contam com o patrocínio da Petrobrás, com o apoio da Associação Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo (Suíça), EED (Alemanha) e Fundação Avina, e com as seguintes parcerias locais: SOS CORPO Instituto Feminista para a Democracia, Representação Regional do Nordeste do Ministério da Cultura e Prefeitura do Recife.

Ao difundir as imagens dessas mulheres, a Exposição quer deixá-las fixadas não apenas como “memória”, mas como estímulo, efeito multiplicador do que já se fez e do muito que se há de fazer em todo o mundo, por essas e por milhões de tantas outras mulheres que lutam pela paz., cujo exercício se dá no cotidiano.

Exposição 1000 Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo
Lançamento do livro Brasileiras Guerreiras da Paz
Dia e horário da abertura e lançamento do livro: 15 de outubro, quinta-feira, às 18h30 horas.
Período da exposição: de 15 a 25 de outubro
Local: Representação Regional do Nordeste do Ministério da Cultura (Rua Bom Jesus, 237, Recife Antigo)
Produção Executiva da Exposição no Recife:
MARIA AUREA SANTA CRUZ
e
ISOLDA PEDROSA


ASSOCIAÇÃO MULHERES PELA PAZ

Rua Santa Isabel, 137 – 4º andar – Vila Buarque
01221-010 - São Paulo/SP
Telefax: (11) 3224-9454
Email: associacao@mulherespaz@.org.br
Site: http://www.mulherespaz.org.br/
Presidenta: Clara Charf
Diretora executiva: Vera Vieira
Assistente de direção: Carolina Quesada
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ASSOCIAÇÃO MULHERES PELA PAZ AO REDOR DO MUNDO

Baerenplatz 2 – P.O. Box 524
CH-3000 Bern 7 – Switzerland
Website: http://www.1000peacewomen.org/
AS MULHERES HOMENAGEADAS DE PERNAMBUCO

Foram cinco (5) as mulheres pernambucanas que foram indicadas para o Prêmio Noel da Paz, com o apoio da UNESCO. Elas ficaram entre as 1000 mulheres dos 150 países por toda a luta incessante que travam pelos Direitos Humanos, Justiça e Paz:

Elzita Santa Cruz – Ativista na área de Direitos Humanos ( mãe de Fernando Santa Cruz – Desaparecido Político (desde 1973, durante a ditadura militar)
Givânia Maria da Silva – Ativista na área Comunidade Rural Quilombola
Lenira Maria de Carvalho – Ativista na área sindical das Trabalhadoras Domésticas
Vanete Almeida – Ativista na área Rural – Coordena a Rede de Mulheres Rurais (RedeLac)
Zenilda Maria de Araújo – Ativista na área de Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste

sexta-feira, setembro 18, 2009

Não basta ser cantora mulher...

A MUSA SEM MÁSCARA

Muitas das "cantoras do rádio" e algumas da atualidade - sem qualquer consciência crítica - emprestaram ou emprestam seus talentos vocais à difusão de canções que depoem contra a imagem da mulher com letras totalmente depreciativas. Evidentemente, isso tudo é porque são, invariavelmente, impulsionadas pelo sucesso alcançado por tais letras e a extensa repercussão alcançada por temáticas desse tipo, perante o grande público a que sempre a música se destinara e que não se tocava ao ouvir mulheres, principalmente, reproduzir ponto de vista, representação, pensamento, idéias, situações ou questões, propositadamente, bruscas, machistas, racistas e misóginas contidas nos versos da narrativa musical .
Vejamos , por exemplo - no período de ouro do rádio - a que ponto chegava a alienação das nossas intérpretes. Basta fazer uma leitura mas acurada das inúmeras letras de músicas gravadas por mulheres - do cast radiofônico - nas décadas de 30 a 50. Veremos, com bastante clareza, que a maioria delas, não tinham critério algum na escolha dos seus repertórios. Principalmente, quando o motivo inspirador dos autores centrava na pessoa da mulher.
Para se ter uma idéia do que estou falando, escolho aqui, uma música de 1950, intitulada "Nega Maluca", autoria de Evaldo Rui e Fernando Lobo. Renato Vivaccqua revela no seu livro Música Popular Brasileira (história da sua gente) que os autores da música e letra fizeram na intenção de entregar para ser gravada por um intérprete homem. Tanto é que, ela foi oferecida a dois cantores, inicialmente. Mas, os dois recusaram-se terminantemente a gravá-la alegando o caráter extremamente depreciativo da personagem mulher. Enfim, terminou sendo lançada na voz de uma cantora.
Agora, prestem toda atenção possível na temática da música, trancrita ipse litere:
Tava jogando sinuca
E uma nega maluca
Me apareceu.
Vinha com o filho no colo
E dizia pro povo
Que o filho era meu:
Meu senhor,
Toma que o filho é seu!
Meu senhor,
Guarda o que Deus lhe deu!
Há tanta gente no mundo
Mas, meu azar é profundo.
Veja você meu irmão,
A bomba estouro na minha mão.
Tudo acontece comigo,
Eu que nem sou do amor.
Até parece castigo,
Ou então, influência da cor.
Facilmente, pode-se detectar que o teor dessa música evidencia um preconceito duplo contra o gênero feminino: primeiramente, o racial discriminador da mulher negra, que a detratava em função da cor da pele(não sei se posso afirmar aqui com tanta certeza que a mulher negra naquelas décadas era mais discriminada e se hoje é menos. Aí fica a duvida cruel: SERÁ!?!?!). O outro preconceito que recaia sobre a mulher em geral e é mais evidente quando se referia a mulher negra, era o preconceito moral, o qual, penalizava a mulher mãe solteira - sem dó nem piedade. Sem contar que, a letra na sua essência, era uma exortação à paternidade irresponsável, tão comum , ainda hoje, ao homem brasileiro.
Continuo em breve

segunda-feira, setembro 14, 2009

Nós Fomos as Cantoras do Rádio

Mulher: a musa inspiradora
No primeiro capítulo do livro que escrevi em 1992, editado pela Rosa dos Tempos e com distribuição exclusiva pela Record eu tratei da questão gênero na MPB ao abordar a ausência da voz da mulher nas letras que falam sobre ela própria.
Leiam mais abaixo o texto transcrito, quase que na íntegra, para depois dizer o que acham.
Qualquer comentário será de grande valia para mim porque estou em processo de pesquisa para o próximo livro onde pretendo continuar esse mesmo tema, só que, revisto, aumentado e atualizado.
Alguns trechos do primeiro capítulo do livro:
"A MUSA SEM MÁSCARA
Imagem da mulher na música popular brasileira"
Parafraseando o compositor popular, "há sempre uma imagem de mulher" a percorrer todo o universo da música popular brasileira. No entanto, até bem pouco tempo, ela aparecia apenas ocupando o papel de musa inspiradora, refletida pelo imaginário masculino que, por sua vez, influencia o imaginário coletivo.
Essa ênfase à "musa" deve-se a uma concepção machista da sociedade, que sempre estabeleceu a criatividade como um privilégio masculino. Para a mulher - em virtude de sua capacidade biológica de reprodução - reservou-se apenas a possibilidade de criar filhos. É com base nesse argumento falacioso, desprovido totalmente de comprovação científica, que os homens determinaram para si a exclusividade da autoria musical. (aqui cabe uma ressalva: essa prerrogativa não foi ou é exclusividade da criação musical). Sempre ocorreu em todas as potencialidades intelectuais da espécie humana, seja no campo das artes, das ciências, da política ou nos empreendimentos produtivos.
Ser cantora, até bem pouco tempo, era o máximo de concessão permitida às mulheres. A voz da mulher foi por muito tempo usada somente para reproduzir um discurso totalmente androcêntrico(masculino, por excelência) portador de uma ideologia sexista, racista, étnica e lesbofóbica. Nem de longe, as composições referentes à mulher vislumbravam qualquer possibilidade de relações igualitárias de gênero e raça. Ao ressaltar - de toda e qualquer maneira - a figura da mulher nas canções, não levavam em conta sua autonomia social. Também, nunca consideravam a possibilidade de desconstruir a narrativa musical hegemônica acerca das relações de gênero, contida indefinidamente nas letras da canção popular brasileira. Fosse qual fosse o momento histórico ou o contexto sócio-econômico-cultural os argumentos depreciativos à mulher, sempre foram uma constante, reiteirando preconceitos de toda ordem, ancorados em uma série de opressão e discriminação.
Compor era uma atividade implícita ao homem. Só ele era considerado mentalmente apto a desenvolver tal atividade artística. A disseminação dessa idéia generalizada que consolida a capacidade intelectual como natural ao homem, só fez contribuir para sustentar o mito da superioridade masculina. Dessa forma se estabelecia uma relação ventríloca entre o "criador (nesse caso o homem) e a "criatura"(mulher). A mulher cantora e musa, fica assim submetida a uma vontade que não é sua, apenas, como objeto e não SUJEITA de sua própria história.
CONTINUA DEPOIS

sábado, agosto 22, 2009

Lei Maria da Penha


ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE PERNAMBUCO
CIDADANIA - 03/04/2009
Lei Maria da Penha
Marcelo Santa Cruz*


Esse é o nome pelo qual popularmente é conhecida a Lei 11.340/2006. Teve origem, infelizmente, na tragédia de uma cidadã brasileira. Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, foi vítima de agressões que lhe deixaram seqüelas permanentes; no caso, paraplegia nos membros inferiores. Ela sofreu dois atentados praticados pelo seu marido à época, Marcos Antônio Heredia Viveros, professor universitário. O primeiro foi no dia 29 de maio de 1983. Ele disparou contra a vítima que dormia e depois tentou encobrir o ocorrido, alegando ter havido uma tentativa de roubo na residência do casal. Transcorridas duas semanas, após regressar do hospital, ela sofreu mais um ataque de Marcos Antônio, aproveitando-se da fragilidade da sua condição de convalescente, tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Entre a dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso, seu ex-marido, transcorreu nada menos do que 19 anos e 6 meses, em função dos procedimentos legais e dos instrumentos processuais vigentes na época, que tornavam a Justiça ainda mais morosa do que hoje. Ele foi condenado e cumpriu apenas dois anos e alguns meses de detenção. E este caso não pode, de maneira alguma, ser classificado ôisoladoö. Estudo realizado pelo IBGE, no final de 1980, constatou que 63% das agressões contra as mulheres acontecem no âmbito doméstico, e seus agressores são pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. Já a Fundação Perseu Abramo, em estudo efetuado em 2001, constatou que 11% das brasileiras já haviam sido espancadas ao menos uma vez; e destas, 31% nos doze meses anteriores. Isto significava, então, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no País. Ou uma a cada quinze segundos.
A Lei Maria da Penha, de 7 de agosto de 2006, foi criada exatamente para tentar coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, além de agilizar e endurecer as punições. Ela permite que o criminoso apanhado em flagrante seja preso ou tenha sua prisão preventiva decretada. Acabou com o pagamento das penas em dinheiro ou em cestas básicas. Triplicou o tempo de detenção para esse tipo de crime, que costumava ser de três meses a um ano e saltou para seis meses a três anos. E caracterizou a violência psicológica como forma de agressão, além de determinar que as investigações passem a ser mais detalhadas, com depoimentos não só das vítimas e do agressor, mas também de testemunhas.
A Lei ainda contempla medidas de proteção e assistência para mulheres em situação de violência ou com a vida sob ameaça. Elas variam, conforme cada caso, e devem ser determinados pelo Juiz em até 48 horas. Podem incluir a saída do agressor do domicílio, a proibição de sua aproximação física da agredida e dos filhos, até o direito da mulher de rever seus bens e cancelar procurações. Por fim, estabelece medidas de assistência social, como inclusão das mulheres em situação de risco no cadastro de programas assistenciais dos governos federal, estaduais e municipais.
A Lei Maria da Penha é uma proposta inovadora, e por isso mesmo polêmica. Alguns dos seus dispositivos têm recebido severas críticas de juristas conservadores, protagonistas de uma sociedade machista. Há também quem a defenda apaixonadamente. Mas, o que não se discute é que ela resultou de um processo democrático. Representa a transmutação do clamor social em norma jurídica através de um belíssimo processo legislativo, pois houve grande participação popular no seu encaminhamento. Entidades e movimentos sociais se mobilizaram nesse debate, e a própria Maria da Penha se empenhou em fazer do seu drama pessoal uma bandeira de luta a favor das vítimas da violência.
Ressalte-se ainda que o Brasil, ao sancionar a Lei 11340, tornou-se o 18º pais da América Latina a contar com um diploma legal específico que se aplica em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que aumenta a responsabilidade política e jurídica de órgãos públicos, para garantir punição aos agressores. E por meio dela se instituiu a Prevenção e Assistência à Mulher Vítima de Violência (Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública) com suas respectivas competências.
O que foi feito acertadamente e onde se errou, nessa Lei, somente o tempo poderá nos mostrar com segurança. Mas, sem nenhuma dúvida, ela traduz o esforço conjunto da sociedade e das suas instâncias de governo, em busca de uma solução efetiva para um gravíssimo problema social. * Militante dos direitos humanos. Vereador PT-Olinda e Coordenador-Adjunto do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social - CENDHEC

sábado, março 21, 2009

Eliane de Grammont. Um marco decisivo no combate a violência contra a mulher

Atenção para a letra seguinte
(e comente)
Amélia de você
Lançada– 1977 / 1978
Elena de Grammont / Eliane de Grammont
Samba-canção
Intérpretes que gravaram em 1978: Ângela Maria e tb, Edith Veiga

Tentei mudar você
Não consegui e desisti porque
Você não tem mais jeito
Cansei de ser Amélia santa e boa
Que esquece que perdoa
Seus defeitos
A vida com você é uma loucura
Me deprime e me satura
Ser Amélia já era
Tentei mudar você
Não consegui não deu
Quem deve então mudar sou eu
Mas acontece que eu choro eu falo
Anoitece e eu me calo
Pra pensar só em você, cheia de amor
Seus erros, seus defeitos já não importam
Não tiro os olhos da porta
Para ver você entrar e me beijar
E toda encolhidinha nos seus braços
Não escondo e nem disfarço
Toda minha emoção
Tentei mudar você não consegui porque
Nasci para ser Amélia de você
Nasci para ser Amélia de você.


O que aconteceu com Eliane de Grammont?




Eliane de Grammont, autora da música e letra acima, feita em parceria com a irmã, (cabe aqui uma correção: ver abaixo, solicitação de Adriana de Grammont que corrige o dado pesquisado por mim sobre a parceria da música como sendo com uma irmã da Eline. Pelo informe recebido, a parceira Helena de Grammont, na música acima citada, é na verdade, mãe da vítima) apesar das informações que além de compositora era cantora na década de 70. Em 30 de março de 1981, ela foi assassinada covardemente, quando se apresentava no palco de uma casa de show na capital paulista. O autor dos disparos, Lindomar Castilho, ex-marido da vítima – também cantor e compositor de boleros – e um dos maiores vendedores de discos do Brasil nos anos 70, foi, inclusive, consagrado em 1977, como campeão de vendas no México e na Califórnia.
Por essa época, ela o conheceu, começaram a namorar e, em 1979 casaram. O matrimônio a fez abandonar a carreira profissional para se dedicar unicamente ao lar e cuidar da filha, fruto da união dos dois. Mas, o casamento não durou muito tempo. Eliane, aos 26 anos pediu a separação, o que Lindomar não aceitou de bom grado, levantando suspeitas de que ela o estava traindo, deixando-o, por ter um envolvimento extraconjugal com Carlos Randall, primo do cantor, o qual passara a acompanhá-la ao violão na medida em que ela voltou a fazer shows.
Três meses depois de separada, quando cantava no bar Belle Epoque, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, Eliane levou cinco tiros pelas costas chegando uma bala, ainda a ferir também o violonista Randhal. Lindomar foi preso em flagrante. Nos autos do processo ficou comprovado a premeditação de forma covarde e bárbara, pois o homicida antes de ir até a casa de show aonde a ex-mulher se apresentava, havia comprado um revólver calibre 38 e balas do tipo "dundum", que ao perfurar a vítima explodem dentro do corpo causando lesões intensas e irremediáveis.

A Repercussão do Homicídio

O crime gerou de imediato, grande comoção na sociedade paulistana onde, Eliane, voltando à ativa tinha grande receptividade do seu público, sendo muito admirada como cantora, prenunciando uma carreira promissora pela frente.
Esse homicídio cruel, com requintes de perversidade, tornou-se um caso emblemático em função da decisiva manifestação organizada pelo movimento feminista, mobilizado durante todo o julgamento, a fim de não deixar a impunidade mais uma vez prevalecer.
Acontece que, até aquela época, assassinatos da mulher por maridos ou companheiros eram considerados pela lei penal “crime de ação privada” e nas decisões judiciais o procedimento comum da defensoria do réu era alegar “legítima defesa da honra”. Mas esse artifício processual, aqui no Brasil, já não colava mais como antes, quando era aceito como o maior atenuante pelo júri na soltura do acusado. Isso, graças à pressão dos grupos de mulheres – que se disseminavam pelas cidades brasileiras. Então, a defesa do cantor tentou outros meios de amenizar-lhe a culpa, resvalando para o “delito de ordem passional” que mediava a infidelidade conjugal como sendo argumento principal. Alegou o ciúme como motivo propulsor da "privação de sentidos" do réu na ocasião exata do crime. Porém, o empenho coletivo das mulheres já engajadas na luta feministas, combatendo veementemente a violência contra a mulher, transformou-se em um marco na história jurídica brasileira ao condenar por homicídio doloso o cantor a 12 anos de prisão por meio de um júri popular, no dia 23 de agosto de 1984. Apesar disso tudo, Lindomar Castilho ficou preso somente, até 1988, quando obteve liberdade condicional.


Segunda Onda do Feminismo – Um divisor de águas


Contribuiu para essa mudança de mentalidade a “segunda onda do feminismo”, formada em meados de 60 nos Estados Unidos e Europa, passando ininterruptamente a acumular mais conquistas do que derrotas até que na década de 70, inicia de vez o processo organizativo das mulheres por quase o mundo inteiro. No cenário nacional, a exemplo de outros países, o novo feminismo começa com os grupos de reflexão (poucos, porém polêmicos e combativos). Segue daí por diante, uma trajetória ascendente de enfrentamento em defesa de direitos e autonomia plena da mulher. O movimento feminista deu uma guinada total na vida das mulheres estimulando a criação de ONGs Feministas, Associações Comunitárias de Defesa da Mulher, Fórum de Mulheres, Delegacias da Mulher, Coordenadorias e Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher e Casas Abrigo das vitimas de violência em eminente perigo de morte.

Não pule fora desta luta,
Diga não a violência contra a mulher 
Vale aqui uma ressalva: a semente que germinou tudo o que agora existe e o mais que, ainda está por vir, para melhorar a qualidade de vida das mulheres e proteger seus direitos fundamentais, começaram com as campanhas que as mulheres empreenderam exigindo que a justiça fosse feita a todo custo, a começar pelo julgamento do crime contra Eliane e continuando, até então, em processo contínuo por tantas outras mulheres assassinadas, agredidas e violentadas e que deram visibilidade maior às ações e manifestações dos grupos feministas. 
Conquista do Movimento de Mulheres, Afinal Legalizada


Pra melhor esclarecer sobre a denominação de Maria da Penha dada à Lei n°11.340/06, promulgada em 7 de agosto de 2006, é bom saber quem é essa mulher.
Pois bem, a biofarmacêutica Maria da Penha é uma sobrevivente do morticínio tragíco e descomunal de mulheres – último estágio da violência conjugal. Foi agredida durante anos pelo então marido, Marco Antonio Herredia, que não satisfeito com as ofensivas atentou contra a vida dela por duas vezes. Em 1983, ele desfechou contra Maria da Penha um tiro nas costas deixando-a paraplégica.
Cabe aqui um parêntese: são incontáveis no Brasil as inúmeras vítimas desse grave drama que se mostra estatisticamente cada vez mais exorbitante. E tudo resulta de um machismo sem freio, que prima pela covardia sob a conivência da sociedade A característica primordial da criminosa brutalidade sexista, até então vigente, está amparada, antes de mais nada, na falsa suposição do poder absoluto do homem ante à submissão incondicional da mulher.
Voltemos, pois a Maria da Penha. Mesmo imobilizada a uma cadeira de rodas, ela jamais esmoreceu no seu objetivo de que a justiça fosse feita.
Daí em diante, lutou por anos e anos seguidos até conseguir que o seu agressor fosse condenado. Agora, tornou-se símbolo contra a violência doméstica.
Em 2001, dezoito anos após o atentado que a imobilizou para sempre numa cadeira de rodas, alcança uma grande vitória ao ver a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizar o Brasil por omissão e negligência em relação à violência doméstica. Mas, somente em 2003 (exatamente 20 anos depois) o ex-marido de Maria da Penha, condenado pelo crime cometido, vai para a prisão.
Enfim, Maria da Penha é homenageada com a lei trazendo seu nome, não só por por sua batalha para dar um veredicto ao seu caso específico. Foi fundamental o trabalho incessante em busca da punição judicial finalizada na sentença condenatória. No entanto, seu esforço teve o reconhecimento merecido pelo combate que travou o tempo inteiro na aprovação dessa lei determinatória de normas jurídicas punitivas a todo e qualquer modo de violência contra a mulher brasileira. Destarte, durante a cerimônia aonde a lei foi afinal sancionada, falou e disse essa cearense combativa :
“Essa lei representa os primeiros passos na direção de um mundo onde homens e mulheres vivam harmoniosamente”.


A Casa Eliane de Grammont





O julgamento seguido de condenação pela morte de Eliane Grammont ficou como um marco decisivo no combate á violência contra a Mulher empreendida pelo movimento feminista nacional. No ano seguinte, em 1985, a cidade de São Paulo inaugurou a primeira Delegacia de Defesa da Mulher do Brasil. Em 09 de março de 1990, Luiza Erundina – primeira mulher eleita prefeita da maior capital em densidade populacional do país, São Paulo – atendendo a uma solicitação do Movimento Feminista fundou uma casa de amparo às mulheres vítimas de seus companheiros, dando a esse Centro de Referência o primeiro serviço público municipal do país nesse tipo de atendimento integral às mulheres nos casos de violência doméstica e sexual o nome de Eliane de Grammont. Lá é oferecido atendimento psicológico e de assistência social, como parte de uma política de prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres. Além de articular com outros serviços a construção de uma rede de atendimento às usuárias. Desta forma, tornou-se um modelo para implantação de serviços destes tipos em outras prefeituras, auxiliando na criação de centros semelhantes.
Recebi um comentário de Adriana de Grammont solicitando que fosse feita a devida correção neste texto . Agradeço a gentileza da mensagem e trancrevo abaixo, o texo original, que diz aonde eu errei, já enviando de imediato minhas desculpas:
"Somente para retificar que a autoria da música Amélia de voce é de Elena de Grammont (mãe da Eliane) e não irmã como estão informando no texto. Agradeceria se vcs fizessem esta correção. Parabéns pela matéria!!Um abraço,Adriana de Grammont 10 de Julho de 2009 21:18"

domingo, março 08, 2009

Protestando no Dia Internacional da Mulher

Chegamos ao século 21 e estamos no dia 8 de março de 2009, ainda testemunhando a violência de gênero praticada pelo homem contra a mulher.
O que acontece, é que as mulheres continuam carregando esse fardo sócio-cultural “infame”, na sua forma mais perversa, pois mesmo com todas as conquistas adquirida na trajetória feminista, fruto da pluralidade de vozes, na luta exaustiva e inabalável de mulheres em movimento por todo o planeta, continua sendo registrado em qualquer lugar do mundo, alta incidência de agressão às mulheres, seja ela física, sexual, moral, psicológica étnica, racial, patrimonial e tantas mais.
Sabemos que essa violência está especificamente relacionada às relações de gênero que, nos seus parâmetros conceituais, determina a superioridade “masculina” frente à inferioridade “feminina”, como se isso fosse inerente e natural à espécie humana, quando na verdade, nada mais é do que uma construção cultural.
Atenção, pois é aí onde o nó aperta. Se quisermos construir um mundo mais harmônico entre os sexos, nessa nova era em curso, temos que desatá-lo mais depressa do que imediatamente.
É preciso, desconstruir preceitos éticos, normas sociais, valores morais e significados culturais caducos, de subordinação de um sexo dito como “frágil”, ao outro, denominado “forte” e que, até então, só serviram para embasar a desigualdade entre gêneros e permitir a complacência social diante de tantos e tantos atos de violência cometidos contra a mulher.
O movimento feminista está e continará, em vigilância constante, na certeza de que é preciso e necessário ampliar a nossa indignação para a sociedade como um todo. Só com o apoio da opinião pública terminaremos por acabar de vez com tudo isso.
A prova de que é possível mudarmos mentes e corações vamos encontrar na música popular. A ação combativa envolve cada vez mais, mulheres e homens, que antes, se colocavam a distância da discussão de gênero e, agora, começam a assumir uma posição firme na questão da violência contra a mulher.
Vejamos abaixo, em dois períodos separados por décadas de distância - um do outro - dois exemplos díspares de mulheres cantoras de prestígio nacional interpretando duas composições de autoria masculina. As duas reproduzem o discurso do homem travestido em palavra de mulher, mas as mensagens das letras são totalmente diversas. Cada uma delas (Aracy e Alcione) ao se reportar ao tema, se posicionam a favor(1945) e contra (2007) a violência conjugal, mesmo que no segundo caso a letra "Maria da Penha", contenha uma séria imprecisão homofóbica, ao se aventar em um dos versos, a idéia que o homem quando bate em mulher é homossexual enrustido.
Parabéns pra você (Haja o que houver)
Ano - 1945
Wilson Batista / Roberto Martins
Canta: Aracy de Almeida
Bata, se queres bater
Será pra mim um prazer
Ajoelhar-me no chão
Pedindo perdão
De um mal que não fiz.
De você só quero isto
Que você saiba que existo
E o mal que vem de você
Me fará feliz.
Xingue, maltrate, eu sou tua
Pode jogar-me na rua
E coitadinho daquele
Que se intrometer
Eu vou dizer e repito
Você é meu infinito
Haja o que houver cantarei
Parabéns pra você.


Maria da Penha
Paulinho Resende / Evandro Lima
Ano - 2007
Canta: Alcione

Comigo não, violão
Na cara que mamãe beijou
Zé Ruela nenhum bota a mão
Se tentar me bater
Vai se arrepender
Eu tenho cabelo na venta
E o que venta lá, venta cá
Sou brasileira, guerreira
Não tô de bobeira
Não pague pra ver
Porque vai ficar quente a chapa
Você não vai ter sossego na vida, seu moço
Se me der um tapa
Da dona "Maria da Penha"
Você não escapa
O bicho pegou, não tem mais a banca
De dar cesta básica, amor
Vacilou, tá na tranca
Respeito, afinal,é bom e eu gosto
Saia do meu pé
Ou eu te mando a lei na lata, seu mané
Bater em mulher é onda de otário
Não gosta do artigo, meu bem
Sai logo do armário
Não vem que eu não sou
Mulher de ficar escutando esculacho
Aqui o buraco é mais embaixo
A nossa paixão já foi tarde
Cantou pra subir, Deus a tenha
Se der mais um passo
Eu te passo a "Maria da Penha"
Você quer voltar pro meu mundo
Mas eu já troquei minha senha
Dá linha, malandro
Que eu te mando a "Maria da Penha"
Não quer se dar mal, se contenha
Sou fogo onde você é lenha
Não manda o seu casco
Que eu te tasco a "Maria da Penha"
Se quer um conselho, não venha
Com essa arrogância ferrenha
Vai dar com a cara
Bem na mão da "Maria da Penha".

domingo, fevereiro 15, 2009

Maysa canta o que pensa

As canções de Maysa revelam a mesma postura decidida que ela assumiu na vida. Enfrentou pesados desafios e preconceitos impingidos depois de sua separação – de um empresário de renome nacional – quando sua atitude independente serviu de escândalo e foi um prato quente para os colunistas sociais e revistas especializadas nesse tipo de notícia. O meio social da época reprovava todo e qualquer desenlace conjugal e via com maus olhos o desquite. Não havia ainda o divórcio e as desvantagens de uma separação atingiam inevitavelmente – única e exclusivamente – as mulheres. A sina da mulher “mal casada” era sofrer suas desditas com resignação e passividade. Perante o fato consumado de uma separação, não podiam também contar com o amparo da justiça feita para atender aos interesses dos homens já que o poder judiciário era composto, na sua totalidade, por eles mesmos.
Quando, uma mulher ou outra, conseguia a duras penas formar-se em Direito, ficava por força de um sistema machista excluída do exercício da magistratura e não podiam – nem por sonho – disputar em concurso público uma vaga para entrar como juíza, procuradora ou desembargadora. Tanto é que a catarinense Thereza Tang, primeira magistrada brasileira, que assumiu em 1954 o cargo de juíza substituta com a devida permissão, feita por escrito do marido, teve que ouvir uma advertência explícita do presidente do Tribunal de Justiça: “A senhora tomou posse como juíza; a senhora é o teste.” Logo, ficava praticamente impossível à mulher botar a mão na colher pra mexer nas leis, totalmente misóginas e androcêntricas - legisladas cuidadosamente, para deixá-las sob a tutela de pais e de maridos.
Cabe aqui um parêntese necessário para que se tenha noção exata da posição jurídica da mulher no tempo de Maysa: pasmem, mas no Código Civil éramos todas equiparadas às crianças, a população indígena e pessoas consideradas loucas. A situação jurídica de nós mulheres, só atenuou quando, em 1962, entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada. Daí em diante, o marido deixou de ser o chefe absoluto da sociedade conjugal e a incapacidade feminina para alguns atos foi invalidada, entre eles, os seguintes: poderíamos nos tornar economicamente ativa sem necessitar da autorização do marido e passamos a ter o pátrio poder compartilhado além do direito à tutela das crianças (fruto da união civil legitimada pelo casamento) bem como, requisitar a guarda em caso de separação.
Nesse clima de contra-senso é que Maysa começou sua carreira artística consagrando-se logo no lançamento das suas primeiras composições no ano de 1956 entre elas “Ouça”:


Ouça,
Vá viver a sua vida com outro bem.
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém.
O passado não foi o bastante
Pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande
Só eu e você.
Mas, quando a lembrança
Com você for morar.
E bem baixinho
De saudade você chorar.
Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu.
E você fez questão de não dar,
Fez questão de negar.


E, “Meu Mundo caiu”:


Meu mundo caiu
E me fez ficar assim.
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim.
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi,
Nem à você nem à ninguém
Não fui eu que caí.
Sei que você entendeu
Sei, também, que não vai se importar.
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar.




Com suas composições contundentes e incisivas, atingiu logo, sucesso total, porque uma quantidade enorme de mulheres se identificava com ela em cada uma das temáticas abordadas. Naquele período, muitas também, se defrontavam com a dissolução do casamento. O que valeu a Maysa uma empatia generalizada por parte dessas mulheres, foi o fato dela passar nas suas músicas uma mensagem insurgente, revertendo à condição de vítima para assumir uma postura de auto-suficiência absoluta, como podemos observar na antológica letra “Resposta”:


“Ninguém pode calar dentro de mim
Essa chama que não vai passar.
É mais forte que eu
E eu não quero dela me afastar.
Eu não posso explicar como foi
E nem como ela veio.
E só digo o que penso,
Só faço o que gosto
E aquilo que creio.
E se alguém não quiser entender
E falar, pois que fale.
Eu não vou me importar com a maldade
De quem nada sabe.
Se a alguém interessa saber:
Sou bem feliz assim.
Muito mais do que quem já falou
Ou vai falar de mim.”

sábado, fevereiro 14, 2009

“NÃO FAÇA IDEIAS ERRADAS DE MIM”

Dolores Duran iniciou a carreira artística como cantora, igual a tantas outra do seu tempo, participando de programas de calouros, excursionando em circos e trabalhando como crooner em boates.
Ela passou como um meteoro pela vida, mas deixou um legado de composições inesquecíveis. Não nego que, ás vezes, tenha enveredado pelo excesso de pieguismo, próprio das temáticas amorosas dos anos 50 onde, era costume rimar amor e dor, enquanto de cigarro em cigarro a turma da boêmia tentava afogar as mágoas dos amores frustrados nos copos de bebidas das boates, bares e inferninhos enfumaçados de Copacabana.
Apesar de tudo, ela soube como ninguém, transportar para a música popular um conteúdo de dignidade tremendo, ao elaborar poeticamente as perdas amorosas. Podemos dizer, que foi ela quem inaugurou um novo modo auto-reflexivo de expressar o amor e desamor através da solidão: “ Ai a solidão vai acabar comigo / Eu já não sei o que faço, o que digo(...)” e do desalento existencial depois de uma desilusão amorosa: “Dai-me, Senhor, uma noite sem pensar / Daí-me, Senhor, uma noite bem comum / Uma noite que eu possa descansar / Sem esperança e sem sonho nenhum(...)”
Mas, podemos até considerar que foi a espera - eterno estigma feminino conforme afirmação do escritor semiólogo francês, Roland Barthes em "Fragmentos do discurso amoroso" quando diz: 'historicamente o discurso da espera foi sustentado pela mulher' - a temática que mais a inspirou no conjunto do seu repertório. Também, todas as mulheres eram socializadas para contentarem-se com essa sina desventurada de Penelope, como se fosse essa condição passiva própria da sua "natureza feminina". E mesmo Dolores, mulher totalmente emancipada e independente, registrou com detalhes, essa sensação impar, atribuída ao gênero feminino como condição impositiva nos versos da música “A noite do meu bem”, lançados logo após sua morte e que se transformou num clássico da música popular brasileira:

“Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero paz de criança dormindo
E o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! como esse bem demorou a chegar
Que eu já nem sei se terei no olhar
Toda ternura que eu quero lhe dar”.

Ao contrário do machismo aquerrido dos seus contemporâneos, Dolores mostrou de maneira incomum, a possibilidade dos amores acabarem sem haver necessariamente culpas ou culpados. Em “Fim de caso”, ela descreve com uma precisão impressionante o desgaste do relacionamento – sem culpa, desespero, choro ou ranger de dentes – pressentido pelo casal nos momentos que antecedem o final de uma relação amorosa:

“Eu desconfio
Que o nosso caso está na hora de acabar
Há um adeus em cada gesto, em cada olhar,
Mas nós não temos é coragem de falar.
Nós já tivemos
A nossa fase de carinho apaixonado
De fazer versos, de viver sempre abraçados,
Naquela base do só vou se você for.
Mas de repente,
Fomos ficando cada dia mais sozinhos,
Embora juntos cada qual tem seu caminho
Que já não temos nem vontade de brigar
Tenho pensado,
E Deus permita que eu esteja errada
Mas, eu estou, ah! Eu estou desconfiada
Que o nosso caso está na hora de acabar”.

Dolores teve que enfrentar situações vexatórias vindas de pessoas retrógradas, principalmente. os machões de plantão, que gostariam de impedir a roda do tempo de girar em favor dessa nova mulher. Pouco se lhe dá, porém o que pensem e falem dela, mesmo se essa crítica ou preconceito partisse de um caso amoroso passageiro ou conjugal.
Igual a ela própria, começa a vislumbrar em outras mulheres, mesmo que fossem em minoria, exemplos de vida similares. Percebe os pontos que tem em comum em termos de audácia ao transgredir os códigos de ética vigente que só as remetiam a um segundo plano e a ousadia de se libertarem dos medos seculares e tornare-se donas de seus próprios destinos. Aproveita e faz uma letra onde repudia a falsa moralidade e repudia nos parceiros amorosos as “Ideias erradas”:

“Não faça idéias erradas de mim
Só porque eu quero você tanto assim.
Eu gosto de você, mas não esqueço
De tudo quanto valho e mereço.
Não pense que se você me deixar
A dor será capaz de me matar.
Um verdadeiro amor não se aproveita
E não se faz senão aquilo que enobrece.
Depois ele se vai, a gente aceita,
A gente bebe, a gente chora, mas esquece.”

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

MULHERES QUE DERAM UM BASTA

Carlota Pereira de Queiróz - única mulher na constituinte de 1934.

Pela primeira vez no Brasil uma mulher é deputada constituinte.


Cabe aqui um lembrete às mulheres contemporâneas – final do século 20 / século 21 – que hoje levam uma existência independente e podem fazer suas próprias escolhas de vida. Não se iludam pensando que não sofrem mais de nenhuma restrição. Ledo engano!!!!!
Logo, é bom saber que nada nos foi dado gratuitamente e de mão beijada, nem muito menos de uma hora pra outra. Conforme ditado popular, “Muita água correu por baixo da ponte” pra chegarmos aonde chegamos e sermos o que somos.
Tudo que temos agora tem sido conquistado palmo a palmo não só por muitas que nos antecederam lutando pelo voto, o acesso ao ensino e ao trabalho, sem nunca, em momento nenhum esmorecerem na cruzada intensa pela autonomia plena. Para tanto, elas bateram de frente com o poder patriarcal constituído que as consideravam cidadãs de segunda classe e lhes negava a obtenção dos direitos democráticos básicos, inalienáveis, fundamentais, essenciais, imprescindível e indispensável a todo ser humano.
Depois do grande passo dessas audaciosas mulheres denominadas sufragistas – ativistas que militaram sem trégua entre o final do século 19 e primeiras décadas do século 20 para nos garantir os primeiros ganhos – nós hoje, suas sucessoras engajadas no movimento de mulheres continuamos incansáveis como feministas e se temos conseguido importantes avanços como cidadãs nos mais diversos espaços, inclusive no campo profissional e político, ao ponto de elevar o nosso grau de participação em pé de igualdade com os homens em todos os recintos sociais e econômicos, antes apenas ocupado somente por eles, uma coisa é certa: estamos há mais de meio caminho andado para acabar com as barreiras culturais, ideológicas, psicológicas, econômicas e sociais. No entanto, ainda há muito a ser conseguido por nós todas em termos de conquista para eliminar de vez a marginalização e a discriminação a que ainda estamos sujeitas em função das relações desiguais de gênero onde a construção de identidades sexuais decorre diretamente das potencialidades de poder e dominação, força, habilidade, coragem, estabelecidos como próprios da masculinidade em contraposição as limitações definidas como próprias da essência passiva da natureza feminina circunscrita à obediência, subordinação, fragilidade, beleza e tudo o mais que limite a capacidade de auto-estima e emancipação nas mulheres.


Bem finalizo esse papo, com um verso da música ”Pra começar”, composição feita, em parceria por Marina Lima e Antônio Cícero, em 1986.


Pra começar
Quem vai colar
Os tais caquinhos do velho mundo
Pátrias, famílias, religiões
E preconceitos
Quebrou não tem mais jeito (...)