sábado, fevereiro 14, 2009

“NÃO FAÇA IDEIAS ERRADAS DE MIM”

Dolores Duran iniciou a carreira artística como cantora, igual a tantas outra do seu tempo, participando de programas de calouros, excursionando em circos e trabalhando como crooner em boates.
Ela passou como um meteoro pela vida, mas deixou um legado de composições inesquecíveis. Não nego que, ás vezes, tenha enveredado pelo excesso de pieguismo, próprio das temáticas amorosas dos anos 50 onde, era costume rimar amor e dor, enquanto de cigarro em cigarro a turma da boêmia tentava afogar as mágoas dos amores frustrados nos copos de bebidas das boates, bares e inferninhos enfumaçados de Copacabana.
Apesar de tudo, ela soube como ninguém, transportar para a música popular um conteúdo de dignidade tremendo, ao elaborar poeticamente as perdas amorosas. Podemos dizer, que foi ela quem inaugurou um novo modo auto-reflexivo de expressar o amor e desamor através da solidão: “ Ai a solidão vai acabar comigo / Eu já não sei o que faço, o que digo(...)” e do desalento existencial depois de uma desilusão amorosa: “Dai-me, Senhor, uma noite sem pensar / Daí-me, Senhor, uma noite bem comum / Uma noite que eu possa descansar / Sem esperança e sem sonho nenhum(...)”
Mas, podemos até considerar que foi a espera - eterno estigma feminino conforme afirmação do escritor semiólogo francês, Roland Barthes em "Fragmentos do discurso amoroso" quando diz: 'historicamente o discurso da espera foi sustentado pela mulher' - a temática que mais a inspirou no conjunto do seu repertório. Também, todas as mulheres eram socializadas para contentarem-se com essa sina desventurada de Penelope, como se fosse essa condição passiva própria da sua "natureza feminina". E mesmo Dolores, mulher totalmente emancipada e independente, registrou com detalhes, essa sensação impar, atribuída ao gênero feminino como condição impositiva nos versos da música “A noite do meu bem”, lançados logo após sua morte e que se transformou num clássico da música popular brasileira:

“Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero paz de criança dormindo
E o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah! como esse bem demorou a chegar
Que eu já nem sei se terei no olhar
Toda ternura que eu quero lhe dar”.

Ao contrário do machismo aquerrido dos seus contemporâneos, Dolores mostrou de maneira incomum, a possibilidade dos amores acabarem sem haver necessariamente culpas ou culpados. Em “Fim de caso”, ela descreve com uma precisão impressionante o desgaste do relacionamento – sem culpa, desespero, choro ou ranger de dentes – pressentido pelo casal nos momentos que antecedem o final de uma relação amorosa:

“Eu desconfio
Que o nosso caso está na hora de acabar
Há um adeus em cada gesto, em cada olhar,
Mas nós não temos é coragem de falar.
Nós já tivemos
A nossa fase de carinho apaixonado
De fazer versos, de viver sempre abraçados,
Naquela base do só vou se você for.
Mas de repente,
Fomos ficando cada dia mais sozinhos,
Embora juntos cada qual tem seu caminho
Que já não temos nem vontade de brigar
Tenho pensado,
E Deus permita que eu esteja errada
Mas, eu estou, ah! Eu estou desconfiada
Que o nosso caso está na hora de acabar”.

Dolores teve que enfrentar situações vexatórias vindas de pessoas retrógradas, principalmente. os machões de plantão, que gostariam de impedir a roda do tempo de girar em favor dessa nova mulher. Pouco se lhe dá, porém o que pensem e falem dela, mesmo se essa crítica ou preconceito partisse de um caso amoroso passageiro ou conjugal.
Igual a ela própria, começa a vislumbrar em outras mulheres, mesmo que fossem em minoria, exemplos de vida similares. Percebe os pontos que tem em comum em termos de audácia ao transgredir os códigos de ética vigente que só as remetiam a um segundo plano e a ousadia de se libertarem dos medos seculares e tornare-se donas de seus próprios destinos. Aproveita e faz uma letra onde repudia a falsa moralidade e repudia nos parceiros amorosos as “Ideias erradas”:

“Não faça idéias erradas de mim
Só porque eu quero você tanto assim.
Eu gosto de você, mas não esqueço
De tudo quanto valho e mereço.
Não pense que se você me deixar
A dor será capaz de me matar.
Um verdadeiro amor não se aproveita
E não se faz senão aquilo que enobrece.
Depois ele se vai, a gente aceita,
A gente bebe, a gente chora, mas esquece.”