quarta-feira, outubro 12, 2011

Violência de Gênero





Mensagem do (Ex) Secretário-Geral da ONU Kofi Annan, por ocasião do

Dia Internacional Para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
Em 25 de Novembro de 2006
Fonte: Centro de Informação das Nações Unidas em Bruxelas – RUNIC

“A violência contra as mulheres causa enorme sofrimento, deixa marcas nas famílias, afetando as várias gerações, e empobrece as comunidades. Impede que as mulheres realizem as suas potencialidades, limita o crescimento econômico e compromete o desenvolvimento. No que se refere à violência contra as mulheres, não há sociedades civilizadas.”


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, MORAL, SEXUAL E PSICOLÓGICA


Quando se fala em violência de gênero, o que vem logo a cabeça das pessoas?

É que esse tipo de violência trata-se apenas, de uma postura brutal, praticado pelo agressor, no ambiente intra-familiar contra a mulher, em circunstâncias as mais variadas e entendidas, tão somente, como restrita ao âmbito das relações domésticas.

Em geral, esse ato hostil começa pelos maus tratos verbais à mulher por parte do parceiro de cama e mesa. Logo depois, descamba para uma tapa, considerada por uma grande maioria de pessoas como de somenos gravidade. Bastam ouvir algumas letras musicais contemporâneas, inclusas no repertório rítmico de alguns axés baianos, forrós nordestino ou sambas e pagodes do sudeste para constatar como essas letras induzem a prática explícita da violência física. Causa espanto, porém, ouvi-las interpretadas insistentemente, pela voz de algumas cantoras famosas. Pensando bem só é o que se ouve em alto e bom som, diante de platéias entusiasmada, enquanto dançam freneticamente em show por esse Brasil afora. Em certas músicas, a repetição em uníssono de um determinado refrão em intervalos regulares, batendo insistentemente na mesma tecla, evidencia a intenção de atingir em cheio o inconsciente coletivo a exemplo de certos enunciados afirmativamente grotescos, como seja de uma determinada música baiana contemporânea de que “um tapinha não dói”.

Isso é a incitação escancarada e recorrente da violência como já cansamos de ouvir em ditos falaciosos do tipo “tapa de amor não dói”; “mulher apanha porque gosta. Divulgar esse tipo de músicas tendenciosas só vem a corroborar com as atitudes cotidianas tomadas por uma maioria de homens bem significativa, as quais vão de insultuosas a ofensivas, já que tais letras deixam a impressão de apoio ao agressor e por isso, faz com que a mulher vitimada, por receio de não ser apoiada pela opinião pública, se sinta muitas vezes, acuada perante a mensagem musical emitida através desse segmento artístico que, de tão alto poder de propagação pode, também, servir como agente de manipulação do imaginário popular.

Portanto, quando não houver reação a nível individual por parte da mulher há que haver algum mecanismo oficial legalmente constituído que possa intervir para coibir - desde o menor indício - a violência quando ela for legitimada por qualquer que seja o segmento da sociedade. É o caso das muitas composições atuais, que contam com uma ampla divulgação nos meios de comunicação, ainda que sejam extremamente misóginas. Dessa maneira vão servindo para disseminar o machismo através da arte e da mídia e ratificar o “poder” do homem de usar da sua superioridade física para atacar a mulher na intenção feri-la. Desse jeito, o tal tapinha que afirmam não doer, parte para a bofetada - uma pancada com mais força – e como desdobramento vai num crescendo contínuo chegando à violência torturante e sem freios, até chegar ao ato mais extremo: o assassinato que acontece todos os dias de forma alarmante por todo o país.

Porém, além desse tipo de ataque a integridade física da mulher, que acontece mais frequentemente, nos relacionamentos convencionais constituídos pela união conjugal, seja ela matrimonial - na forma da lei - ou consensual a violência contra a mulher também pode acontecer além do ambiente privado, ou seja, no espaço público atingindo mulheres de todas as classes sociais, raças/etnias, nível educacional, formação profissional e de todas as idades, desde a menina até a mulher idosa.

Evidentemente, há múltiplas ocorrências de violência contra a mulher, capazes de causar danos incomensuráveis. É o caso da intimidação moral impingindo às mulheres formas de conduta diferenciadas dos homens, também aquela que causa sofrimento psicológico causando constrangimento e sujeição perante situação moralmente desconfortável, além das ofensivas sexuais delineadas desde o assédio a pedofilia e estupro e a violência patrimonial, conforme está descrita na lei Maria da Penha seja resultante de toda e qualquer ação contra a mulher onde haja a intenção de retenção, subtração, destruição parcial ou total dos bens materiais dela pelos parceiros, e outros membros da família, (irmão, filho etc.) ao se apropriarem indevidamente de seus pertences pessoais ou instrumentos de ordem profissional no intuito de prejudica-las.

Com o aumento da longevidade as mulheres idosas tem sido as que mais sentem esse tipo de violência ao serem desfalcadas de seus recursos econômicos – pensão, herança ou aposentadoria e subtraídas dos seus valores, direitos.

Em análises anteriores, feitas nesse blog, já vimos letras de música mais antigas que induziam a violência física. Entretanto, o que nos deparamos nos dias de hoje é com uma profusão de letras cuja temática não só invista no ataque a integridade física da mulher, mas é enorme o número de composições provocativas abordando insistentemente a desvalorização da mulher com frases de baixo calão, agressões morais e cheias de metáforas comparando a mulher a animais e desqualificando-as na esfera da sexualidade.

De um tempo para cá, os conteúdos das letras vem passando por um processo de baixaria enorme quando se referem a moral, sexualidade, atitude e caráter da mulher. Corriqueiramente são indicadas de forma grosseira como devassas, ordinárias, de conduta libidinosa e toda sorte de insultos associados à agressão psicológica sugeridas como portadoras de perversões libidinosas entre outra série de difamações sórdidas ao defini-las e conceitua-las.

Esse panorama atual da música popular brasileira é tão constrangedor que começou a causar desconforto a uma parcela da população provocando ações reprovativas por parte das feministas, de representantes da classe política e de um segmento da própria mídia. Haja vista, recentemente, dois Projetos de Lei, de autoria da deputada estadual Luiza Maia (PT-BA) e do deputado Luciano Siqueira (PCdoB-PE), que proíbem o uso de recursos públicos para a contratação de artistas que em suas apresentações desvalorizem e incentivem a violência e a discriminação contra mulheres, negros e homossexuais, denigram a mulher ou suscitam a violência entre gêneros, contando inclusive, com o protesto da própria ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Política para as Mulheres que já se posicionava contra essas músicas desde quando era parlamentar.

Agora, pra finalizar esse texto, incluo aqui duas letras que foram gravadas pela primeira vez em meados do século 20 e traz uma análise muito atual de como a violência contra a mulher seja ela física, sexual, psicológica ou patrimonial pode levá-las a autopunição chegando ao suicídio como atitude extrema. Nesse caso, numa música a letra expõe o drama de uma jovem porta-bandeira ao dar cabo à própria vida, da maneira mais trágica possível. Tudo causado pela violência psicológica moral sofrida quando se vê na eminência de ser mãe solteira:




Mãe Solteira

Autoria: Wilson Batista / J. de Castro

Ano: 1954

Interpretação: Roberto Silva

Hoje não tem ensaio não
Na escola de samba
O morro está triste
E o pandeiro calado
Maria da Penha
A porta-bandeira
Ateou fogo às vestes
Por causa do namorado

Hoje não tem ensaio não...

O seu desespero
Foi por causa de um véu
Dizem que essas Marias
Não tem entrada no céu
Parecia uma tocha humana
Rolando pela ribanceira
A pobre infeliz
Teve vergonha de ser mãe solteira.

A outra música foi selecionada para exemplificar a violência também auto infligida, pela própria mulher, identificada por manter uma união formal com o marido, exercendo a função de “dona de casa”, com a vida restrita apenas ao ambiente do lar, onde pelo que a notícia no jornal pressupõe, impera a desarmonia, provavelmente, por conta de toda sorte de maus tratos sistemáticos ocorridos na relação doméstica.

A freqüência da violência doméstica faz com que a baixa auto-estima da mulher se solidifique em desgosto pela vida amargurada que leva até que chega um dia que depois de suportar tanto padecimento em completa resignação, amedrontada e em total desalento, sem ao menos vislumbrar qualquer saída possível a pressão explode na tentativa de suicídio.

O interessante é ver focalizado no relato do noticiário jornalístico a reprodução exata desse tipo de ato tomado por mulheres em momentos de desespero como se pode bem observar nessa letra:

Notícia de Jornal

Autoria: Luís Reis / Haroldo Barbosa

Tentou contra a existência

No humilde barracão

Joana de tal

Por causa de um tal João

Depois de medicada

Retirou-se pro seu lar

a notícia carece de exatidão.

O lar não mais existe

Ninguém volta ao que acabou

Joana é mais

Uma mulata triste que errou

Errou na dose

Errou no amor

Joana errou de João

Ninguém notou

Ninguém morou

Na dor que era o seu mal

A dor da gente não sai no jornal.