segunda-feira, fevereiro 01, 2021

O frevo mais popular do Brasil foi composto por Joana Batista Ramos em 1909

 

Joana Batista Ramos
Compositora da marchinha mais popular
do Carnaval pernambucano
foi apagada da história
Documentaristas buscam informações
para construir biografia de Joana Batista Ramos



Há 110 anos, uma mulher negra e pobre, possivelmente 
filha de escravos, compôs a letra do mais popular frevo 
do Carnaval de Pernambuco: a 
"Marcha Número 1 do Vassourinhas". 
Mas a história oficial, moldada em território masculino, 
tratou de apagá-la.

Na terra do frevo, Joana Batista Ramos ainda é apenas 
um conjunto de indícios. 
As informações sobre ela são bastante escassas, quase 
inexistentes. 
Resumem-se a poucos parágrafos de jornais do início 
do século passado.
Não há nem sequer certidões de nascimento ou de óbito.
O único documento público que comprova a sua 
existência é o recibo de venda por 3.000 réis dos 
direitos autorais da música para o tradicional  
Clube Vassourinhas, fundado em 1889, 
um ano após a assinatura da Lei Áurea. 
Escrita em 1909, a música virou uma espécie de 
hino popular de Pernambuco.

Ela foi gravada pela primeira vez, porém, em 1945, pela 
Continental, interpretada por Deo e Castro Barbosa. 
Na versão, a letra original acabou  sendo alterada 
com a inserção do verso de domínio público: 
"se essa rua, se essa rua fosse minha", cantiga popular 
rearranjada pelo maestro Heitor Villa-Lobos na década 
de 1930.

Nascido como uma marcha, o frevo de Vassourinhas 
foi sofrendo outras modificações ao longo do tempo, 
até que teve a letra suprimida. 
O garimpo mostra que a música era executada 
quando o Vassourinhas estava retornando 
para a sua sede, na chamada marcha de regresso.

Hoje, no Carnaval, o frevo funciona como uma espécie de 
"acorda povo", aquele momento em que os músicos 
estão cansados e precisam retomar a animação dos foliões.

O maior mistério do frevo
Partitura mostra os verdadeiros autores
do famoso frevo:
 Matias da Rocha e Joana Batista
Uma equipe pernambucana de documentaristas iniciou 
um trabalho de investigação para contar quem foi 
Joana Batista Ramos. 
A produtora cultural Tactiana Braga e os jornalistas 
Camerino Neto e Maíra Brandão dirigem o 
documentário 
"Joana: Se essa Marcha Fosse Minha", 
ainda sem data para lançamento.

Uma campanha na internet também foi lançada na 
tentativa de  encontrar parentes da compositora ou 
qualquer informação que contribua para 
construir a sua biografia.

Até agora, além de testemunhos e escassos relatos 
em jornais da época, conseguiram encontrar uma 
única imagem do rosto dela, provavelmente 
uma pintura, que consta no documentário: 
"Cem Anos de Vassourinhas" (1989), pertencente 
ao acervo da Fundação Joaquim Nabuco.
Estamos falando do território da cana-de-açúcar, 
do 
senhor de engenho, da casa grande e da senzala, 
demarcado pela violência do poder. 
Joana é um grito neste momento em que o Brasil 
ameaça a fala e o direito da mulher", 
diz Tactiana Braga.
Camerino Neto conta que, nos antigos bailes de Carnaval, 
com várias orquestras, a introdução de Vassourinhas 
era o alerta para que os próximos instrumentistas 
subissem ao palco e pudessem substituir 
aqueles que já estavam tocando.
Isso talvez explique porque ela se popularizou tanto. 
Era executada várias vezes durante a mesma noite.
Algumas peças do quebra-cabeça histórico estão sendo 
descobertas aos poucos.
Joana era possivelmente empregada doméstica, 
ex-escrava ou descendente de escravos", 
lembra Brandão.
Mas ainda não se sabe onde exatamente ela nasceu.
O próximo passo é fazer o caminho contrário. 
Estamos tentando localizar a certidão de óbito", aponta.
O governo de Pernambuco afirma que a Secretaria da Mulher 
se prontificou a  acionar a estrutura de informações oficiais 
para encontrar qualquer documento sobre Joana.
Há o entendimento de que essa invisibilidade não é 
um ato falho. 
É um ato de machismo. É preciso reconhecer sua 
contribuição  a partir da história de Joana", 
afirma Braga.
Nas pesquisas, há relatos da presença dela e de 
Mathias da Rocha, que também, assina a música por 
possivelmente ter criado a melodia, num lugar em que os 
negros costumavam realizar celebrações,  no 
Porto da Madeira, na zona norte do Recife. 
A composição teria nascido num dos mocambos do bairro.

A busca documental já chegou a algumas conclusões. 
Joana tinha três filhos e, provavelmente, 
morreu aos 74 anos, em 1952. 
Os registros em cartório da venda da música ao 
Clube Vassourinhas são de 1910, 
enquanto o documento de autoria é de 1949.

A pesquisadora Carmem Lelis informa que, em 1951,
a marcha passou a ser reproduzida também no 
Carnaval carioca. 
"Mas as informações são precárias e sem fontes para se 
constatar a veracidade."

O filme será composto por entrevistas com 
pesquisadores, maestros renomados do frevo e 
compositoras e cantoras pernambucanas.
Entre os entrevistados está a cantora, compositora e 
dançarina Flaira Ferro.
Há cem anos, a realidade era pior para as mulheres. 
Ainda mais sendo negra. 
Ela estava na margem da margem da margem".
Quem foi Joana Batista Ramos?
Mulher negra, compôs, junto de Mathias da Rocha, em 1909, 
o frevo 'Marcha Número 1 do Vassourinhas', 
um dos mais famosos de Pernambuco.
Tudo o que se sabe sobre ela é que tinha três filhos e,
 provavelmente, morreu aos 74 anos, em 1952

 Fonte: Folha de SP, João Valadares, Recife, 01/03/2019



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