segunda-feira, agosto 26, 2019

Novo filme homenageia mulheres pioneiras na música eletrônica


Delia DerbyshireDaphne OramSuzanne Ciani Laurie Spiegel são algumas homenageadas no filme, que conta ainda com músicas de expoentes dos anos 70 e 80, como Human LeagueJean-Michel JarreSuicideThrobbing GristleCerrone e alguns dos trabalhos do diretor Marc Collin
Fonte: PHOUSE

domingo, agosto 25, 2019

Masp resgata com mostras paralelas obras de artistas mulheres 'apagadas' da história

Masp resgata com mostras paralelas obras de artistas mulheres 'apagadas' da história
O Masp (av. Paulista, 1.578, tel.: 3149-5959) abriu no dia 23 de agosto - 2019, duas exposições sobre a presença feminina na arte. São elas Histórias das Mulheres: Artistas Antes de 1900 e Histórias Feministas: Artistas Depois de 2000.

O Masp (av. Paulista, 1.578, tel.: 3149-5959) abre nesta sexta-feira (23) duas exposições sobre a presença feminina na arte. São elas Histórias das Mulheres: Artistas Antes de 1900 e Histórias Feministas: Artistas Depois de 2000.

quarta-feira, agosto 21, 2019

Alice Guy, a primeira diretora de cinema do mundo

Retrato da cineasta Alice Guy
Nascida em 1873, pioneira francesa dirigiu e produziu centenas de curtas e fez reflexões sobre igualdade de gênero. Festival de cinema mudo presta homenagem ao legado da cineasta.
Alice Guy (1873-1968) não vivenciou sua redescoberta como cineasta
Alice Guy bei Dreharbeiten
Alguns atribuem a Guy a primeira direção de um filme de não ficção

Graças à crescente consciência sobre a igualdade de gênero no cinema, uma pioneira esquecida da sétima arte está de volta aos holofotes: Alice Guy (1873-1968) está sendo homenageada no Stummfilmfestival, o mais importante dedicado ao cinema mudo da Alemanha, em Bonn, em que será exibida uma seleção das obras da cineasta francesa, acompanhada de música ao vivo.
"Após o movimento #metoo e discussões sobre igualdade de gênero, uma nova pesquisa dedicada a Alice Guy permitiu que especialistas descobrissem que ela dirigiu mais filmes do que se pensava; filmes que foram atribuídos a seus colegas diretores nos primórdios do cinema", explica Stefan Drössler, diretor do Museu do Cinema de Munique.
Por muitos anos, Drössler foi curador do renomado International Silent Film Festival (Festival Internacional do Cinema Mudo) em Bonn. Antes, ele também organizara exibições de filmes de Alice Guy na Universidade de Bonn – em alguns casos, sem mesmo se dar conta de que ela era a diretora das obras.
Drössler menciona, por exemplo, A fada do repolho (título original: La fée aux choux), incluído na programação do festival de 2019. "Nós já o havíamos mostrado em Bonn no ano passado, mas não foi registrado como um filme de Alice Guy". Agora, A fada do repolho foi restaurado digitalmente e faz parte da programação do festival, desta vez com o devido crédito à diretora.
Os filmes dos primeiros anos do cinema não tinham créditos como se conhece hoje, explica Drössler, normalmente só se apresentava o título. Os cineastas pioneiros produziam muito rapidamente, como numa linha de montagem. Só mais tarde especialistas tentaram determinar seus autores. E eles eram quase exclusivamente homens.
Através de digitalização, pesquisa aprofundada e uma consciência diferente sobre o papel das mulheres nos primórdios do cinema, os créditos de algumas obras estão sendo reatribuídos.

Joana Guimarães Luz é a primeira reitora negra em uma universidade federal no Brasil

Fonte: Marie Claire

Joana, que hoje tem 61 anos, nasceu em Itajuípe (BA) e acredita que a diversidade de pessoas no ambiente de pesquisa abre portas para inovação e ajuda a mudar o mundo.
Joana Guimarães Luz (Foto: Sirc)

Das memórias mais vivas da infância, Joana Guimarães Luz gosta especialmente de se lembrar de uma: a fome da mãe pela leitura. “Na minha cabeça ficou a imagem dela devorando Monteiro Lobato em uma tarde quente na nossa primeira casa, no interior da Bahia.” Joana, que hoje, aos 61 anos, é reitora na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Itabuna, é a primogênita de uma família de seis filhos que se mantinha com o plantio e a colheita de cacau em fazendas no interior do estado. Mais precisamente em Itajuípe, cidadezinha de 21 mil habitantes. “Vivíamos na roça, mas um dia minha mãe decidiu nos levar para Salvador, onde teríamos uma educação melhor e chances de sair da miséria. Eu tinha uns 9 anos. No fundo, ela sabia que só a educação nos salvaria. Foi justamente o que aconteceu. Todos os meus irmãos seguem profissões sólidas originadas na faculdade”, conta ela.
É de Joana o título de primeira reitora negra eleita em uma universidade federal no Brasil. O cargo, que ocupa desde o final de 2017, se transformou em uma espécie de “vitrine positiva” para outras mulheres negras que sonham em seguir seu feito. “Sei da força da representatividade que exerço estando onde estou. A maioria dos reitores no país são homens brancos. Temos 63 universidades federais e somente 19 mulheres no comando delas. Quando falamos de negras, o cenário é pior. Eu sou a única em atividade”, diz.
Nesta entrevista, Joana conta de suas origens, da influência dos pais, trabalhadores rurais apaixonados pelos livros, e do desafio que tomou para si: o de construir uma universidade mais diversa e aberta para todos.
MARIE CLAIRE Sobre sua família: os seus pais, assim como você, puderam estudar?
JOANA GUIMARÃES
 Até um certo ponto. Meu pai estudou até a quarta série e, por isso, sabia ler e escrever. Minha mãe estudou até a segunda, e sabia ler. Inclusive, era o que ela fazia quando tinha tempo livre. Cresci numa casa em que a leitura era um hábito e um prazer. Ensinaram isso para todos os filhos. Mais tarde, meu pai conseguiu um emprego em Salvador, e às vezes chegava a pensar em voltar para a roça com a justificativa de que lá, pelo menos, nunca nos faltaria comida. Mas minha mãe dizia: “Morro de fome, mas meus filhos não saem da escola”.
MC Parece que a obstinação da sua mãe de fato transformou o futuro de vocês. Todos os seis filhos conseguiram terminar os estudos?
JG 
Todos. Tem até uma outra história minha que vale contar. Assim que entrei em minha primeira faculdade, de filosofia, fui aprovada em um concurso da Caixa Econômica e foi um dilema, aceitar o trabalho, que pagava bem e podia melhorar a situação da minha família, ou seguir com o curso, que era de período integral. Meu pais me disseram para estudar e negar o emprego. Se a gente tinha vivido até ali naquelas condições, podia segurar mais uns anos. Foi o que fiz.

domingo, agosto 18, 2019

Mulheres indiana foram fundadora do movimento contra a violência sobre a Mulher

Vestidas de rosa e com bastões na mão, indianas criam grupo de autodefesa contra machismo


Uma curiosidade é que o rosa não tem a ver com a questão feminina. “Queríamos ter algo que não tivesse relação com os partidos [políticos] e nenhum usa rosa. Por isso escolhemos essa cor”, explica Pal Devi.


Entre o Taj Mahal e a cidade de Varanasi, o histórico de mulheres agredidas e humilhadas passa de milhões. E além de violadas são obrigadas pelo estado hindu de Uttar Pradesh a permanecerem caladas.
Para ter ideia, na cidade 38% das mulheres sofreram algum tipo de abuso físico ou sexual, de acordo com a Terceira Pesquisa Nacional Sobre Saúde Doméstica, de 2006.
Há 30 anos, Phoolan Dev, uma mulher de baixa casta, resolveu se vingar de seus estupradores e assim tornou-se a “rainha dos bandidos”. Isso a tornou conhecida e anos depois se tornaria Deputada. Mas, durante seu mandato em plena democracia, foi morta a tiros.
Isso que Phoolan viveu bastante se considerar todas as meninas que morrem “acidentalmente” queimadas, afogadas ou golpeadas logo que nascem.
Porém, em 1980, Sampat Pal Devi aos 16 anos resolver vingar o marido abusivo de uma conhecida e, após reunir um grupo de mulheres, bateram no homem. Esse acontecimento foi o começo de um movimento que inspira mulheres em todo o mundo.
Hoje, aos 51 anos, Sampat comanda o Gulabi Gang (Gangue de Rosa), um grupo com pouco mais de 270 mil mulheres vestidas com saris rosas e armadas com lathis (bastões de madeira de um metro e meio de largura).
O principal objetivo do grupo é mediar conflitos domésticos, arrumando casamentos, denunciando a corrupção de burocratas e, se necessário, usando lathis para revidar abusos.
“Normalmente prefiro usar a razão”, afirma Sampat. “É melhor convencê-los a fazer o correto. Quase nunca tivemos de chegar a usar a violência”.
Uma curiosidade é que o rosa não tem a ver com a questão feminina. “Queríamos ter algo que não tivesse relação com os partidos [políticos] e nenhum usa rosa. Por isso escolhemos essa cor”, explica Pal Devi.
Além da autodefesa, em 2010, elas utilizaram as doações e criaram uma escola para os filhos das castas mais baixas e os povos indígenas do país. “As mulheres das comunidades têm de estudar e se tornar independentes para decidir suas vidas”, disse ao The Guardian.
Outra de suas lutas é para acabar com casamentos infantis. Para isso, capacitam jovens a usarem máquinas de costura.  também ensinam a fazer pratos feitos com folhas de árvore, que são bastante populares em festas e bodas, e hoje fornecem trabalho para mais de 200 mulheres diariamente.
Mas a fama trouxe acusações e ela chegou a ser destituída de sua posição. “As acusações contra mim não têm fundamento e eu responderei a elas… Tenho sido uma lutadora e vou superar isso também”, Sampat declarou à imprensa.
Mas após meses foi restituída. E assim, mais uma nova etapa no grupo começou, agora com núcleos em várias cidades. “A missão da gangue é erradicar os males sociais e questionar o sistema de castas, dar poder às mulheres e lutar pelos direitos dos pobres”, explica.
gulabi_gang
Fonte: OperaMundi / Fotos: Divulgação

Vógleira está disponível no YouTube https://youtu.be/I0SXbYdsAac Espero que gostem BJS



https://youtu.be/I0SXbYdsAa

quinta-feira, julho 25, 2019

Em 2012, cidades do Paraná já habilitavam benzedeiras como agentes de saúde pública


Desde fevereiro de 2012 vigora em São João do Triunfo (PR) uma lei que reconhece as benzedeiras, rezadeiras, curandeiras e costureiras de rendiduras (dores musculares) como agentes de saúde pública. Na prática, a cidade legalizou o acesso e manipulação de ervas medicinais por essas “profissionais”, de modo a facilitar o atendimento delas à população. 


A cidade tem 14 mil habitantes e fica a 106 km de Curitiba. Ela seguiu o exemplo de Rebouças, município também do Paraná com igual número de habitantes. Lá, as atividades das benzedeiras se encontram legalizadas desde 2009. 



A ONG Masa (Movimento Aprendizes da Sabedoria) cadastrou em Triunfo 161 benzedeiras e em Rebouças, 133. 



A ONG, acredita que essas leis ajudam a combater o preconceito contra as benzedeiras. “Existem leis semelhantes que reconhecem a atividade das parteiras, mas as leis das benzedeiras são inéditas”, disse. 



Tem porém,  profissionais  da área médica  que atestam que existir de forma geral,  respeito da classe a esse tipo de práticas, mas tb temem que a procura por uma benzedeira venha substituir ou retardar o tratamento médico, o que poderá ser fatal para alguns pacientes e dizem que“a segurança cientifica não pode ser deixada de lado” e que o paciente não pode substituir a curandeira pelo médico.

Eva Pinto Rebello, a curandeira Evinha
Eva Pinto Rebello (foto acima), benzedeira 75 anos

A dona Evinha, é uma das benzedeiras de Triunfo. Em sua casa ela tem um pequeno altar onde faz as orações com um rosário e galho de arruda. No quintal, tem 16 tipos de ervas. “Eu dou um ramo para a pessoa que precisa e ensino como fazer o remédio”, disse.



Evinha afirmou que, com a ajuda do toque de suas mãos, já curou centenas de crianças e adultos das mais variadas doenças. 

Mulher negra - Homenagem dia 25 de Julho

25 de Julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

O dia 25 de julho foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. A data foi definida no último dia do 1º Encontro de Mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas, 25 de julho de 1992, em Santo Domingo, República Dominicana, quando foi criada a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e afro-caribenhas. Inspirada nesta data foi sancionada, pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei nº 12.987/2014, que instituiu o dia 25 de Julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

sábado, julho 20, 2019

Mulheres nordestinas que se destacaram


Dandara
Dandara foi uma guerreira negra do período colonial do Brasil. Após ser presa, suicidou-se se jogando de uma pedreira ao abismo em 6 de fevereiro de 1694, para não retornar à casa de seu algoz como escrava. Foi esposa de Zumbi dos Palmares e com ele teve três filhos.
Dandara dominava as artes da capoeira e além de lutar, participava de atividades cotidianas em Palmares, como a caça e a agricultura. No quilombo era praticada a policultura de alimentos como milho, mandioca, feijão, batata-doce, cana-de-açúcar e banana.
Dandara foi uma das organizadores do Quilombo. Forte e valente, Dandara mora no imaginário da população pernambucana até hoje. Uma das principais caras do feminismo negro e da cultura de resistência negra e nordestinaDandara
 

Adalgisa Rodrigues Cavalcanti

Filha de pequenos proprietários de terra, Adalgisa Rodrigues Cavalcanti nasceu em Glicério, estado de Pernambuco, no dia 28 de julho de 1907.
Na década de 1930, Adalgisa teve os primeiros contatos com a literatura marxista disponível na época. Como só havia cursado os quatro primeiros anos do ensino fundamental, os textos eram de difícil compreensão. Porém, ela foi auxiliada por um professor, que era seu amigo. Apoiou o Movimento da Aliança Liberal, que se sobressai através do carismático capitão Luís Carlos Prestes.
Em 1934, após ter tirado seu título de eleitora, iniciou sua militância partidária filiando-se ao “Socorro Vermelho”, um segmento do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que tinha como objetivo dar assistência moral, material e jurídica aos presos políticos.
Nas eleições de 2 de dezembro de 1945, candidatou-se à Assembléia Legislativa do estado, tendo sido eleita a primeira mulher deputada estadual de Pernambuco. Foi, ainda, a quinta mais votada pelo seu Partido. Teve 2.298 votos, a maioria da classe operária, superando, assim, vários candidatos de outros partidos influentes.

terça-feira, julho 09, 2019

1º Marcha das Mulheres Indígenas!

A imagem pode conter: 12 pessoas, texto
Nos dias 09 e 13 de agosto, acontece em Brasília, a Marcha das Mulheres Indígenas que reunirá 2 mil mulheres dos mais diferentes povos, de todo o Brasil. 

Com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, o objetivo é dar visibilidade às ações das mulheres indígenas discutindo questões inerentes às suas diversas realidades, reconhecendo e fortalecendo os seus protagonismos e capacidades na defesa e na garantia dos direitos humanos, em especial o cuidado com a mãe terra, com o território, com o corpo e com o espírito.

ilustração: @crisvector/@designativista
Fonte: APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

sexta-feira, junho 21, 2019

Os saberes das mulheres da Caatinga

Histórias das curandeiras do sertão: mulheres que preservam as práticas de orações, cantos, raízes e garrafadas.

maria Nazaré de jesus, parteira - Com orações, cantos, raízes e garrafadas,  elas preservam os saberes e as práticas da Caatinga (Foto: José Medeiros)
Maria Nazaré de Jesus (Foto: José Medeiros)

Da terra de Padre Cícero à terra de Luiz Gonzaga leva-se menos de uma hora de carro por uma estrada que atravessa a linda Chapada do Araripe e divide o  Ceará de Pernambuco. Berço do Rei do Baião, Exu também frequentou por quase 300 anos as crônicas policiais do sertão com a guerra entre as famílias Alencar e Sampaio. A rixa começou ainda nos tempos da Colônia e durou oito gerações. Deixou 40 defuntos só nos últimos 40 anos do conflito, entre 1940 e 1980, até Luiz Gonzaga convencer os chefes dos clãs a fumar o cachimbo da paz, em 1982. A pernambucana Exu tem pouco mais de 30 mil habitantes e é bem mais pacata que a cearense Juazeiro do Norte, do Padim Ciço, que já soma mais de 270 mil almas.
Da praça da matriz ao Sítio Baixio do Meio, onde mora a parteira Nazaré, são 17 quilômetros por uma estrada de chão cheia de pedras. “Ô de casa!” Chamamos por Nazaré, e logo ela aparece, emoldurada pela janela da casinha de taipa, com um sorriso tímido no rosto, desconfiada com a visita inesperada.
Sentamos à sombra de um umbuzeiro para conversar. Cabelos grisalhos, miudinha, 63 anos, Maria Nazaré de Jesus conta que já “pegou” 12 meninos. O primeiro, homem feito, já tem de 18 a 20 anos.
Como você virou parteira?
Minha mãe era parteira e eu via ela conversando. Ela dizia tudo como era, como se cortava o umbigo, como ajeitava a barriga da muié. Ela fez muitos partos, ia pra todo canto, o povo vinha buscar de cavalo, de bicicleta, de tudo. Ela fez os partos das minhas filhas, de cinco delas, só não fez da derradeira porque a mãe morreu antes, quando eu estava com três meses de gravidez. Tinha 83 anos.
O primeiro menino que peguei foi de uma menina de 12 anos. O dotô disse que ela não resistiria. Eu tava em casa, na boquinha da noite, e minha filha veio me contar: Eita mãe, já levaram a menina pro hospital. Mas ela não chegou a Exu. O marido veio aqui correndo, aperreado. Ei, Nazaré, pega o lençol e uma tesoura que a menina ganhou a criança no meio da estrada. Acendi um candieiro e risquei pra estrada. Cortei o umbigo, enrolei o menino no lençol. Levaram ela pra casa, e eu fui atrás com o menino. Foi o meu primeiro.
Graças a D´us, todos os partos foram normais. Se o menino está atravessado, se está sentado, aí corre logo para um hospital. Eu até posso ir, se me chamarem, pra fazer um chá enquanto arrumam um carro, mas não mexo, não. Também sou curandeira, mas só de ferida de boca, que outras coisa eu não aprendi não.
Qual ferida de boca?
É quando a criança enche a boca daquelas papocas, fica cheia de ferida, sabe? Só cura com reza. Tem um aqui que levaram para o dotô, lá em Bodocó, ele tomou soro, tomou injeção, e não serviu pra nada. Veio pra cá e com três vezes ficou bom. Sem remédio. Quando tá muito forte, eu mando desmanchar um açucrinho, um mel, uma banha de teiú.”
Nazaré tem dez filhos. Quantos netos? Ela não sabe botar na mente, não. Mas tenho quatro bisnetos. Não sou casada, mas o pai dos meus filhos taí, ela diz apontando uma casa. Não queira saber a minha vivência, que é longa. Já pedi esmola no Bodocó, no Ouricuri, pra criar meus filhos. Eu vendo rosário de coco-catulé, umbu, milho, maxixe, o que tiver. Planto, vou buscar no mato e vendo. Faço uns remédios também. Cozinho jatobá e imburana-de-cheiro, cebola e alho. Acaba com a gripe.
Nazaré diz que não levava desaforo do pai de seus filhos. Se ele ralhasse, eu sumia, ela conta.
As mulheres de hoje não aguentam mais desaforo. Eu mesmo tenho uma. O marido era ruim pra ela que só... Ela teve quatro filhas com ele. Aí ele inventou de ir pra Minas. Passou um ano e seis meses lá sem mandar um centavo. E ela sofrendo com as meninas. Agora no final do ano, ele veio e troxe umas coisas pra ela. Mas minha filha arrumou outro, porque ele não se alembrou-se dela. Que se alembre-se ao menos das crianças! Mas não se alembrou de ninguém.
E você apoiou?
Bom eu não achei. Eu não sou casada, minha filha mais velha tem 40 e pouco anos, mas eu não sei o que é outro homem. As mulheres hoje não sabem se dominar, não levam desaforo.
Raízes
No Sítio São Raimundo, Maria do Socorro Silva Moreira, devota de São João Batista, tinha acabado de voltar do mato com as mãos vazias. Eiiita, a seca matou tudo. Com sete anos de seca, não tem raiz que não morra, até a batata-de-teiú.A caminho da casa de Dona Socorro, na zona rural de Exu, a gente passa pela histórica igreja de São João Batista do Araripe, que completou 150 anos em junho do ano passado. A igreja foi construída pelo Barão de Exu como pagamento de uma promessa ao santo. Em 1863, uma epidemia de cólera atingiu o Crato, cidade vizinha, e Gualter Martiniano de Alencar Araripe, o barão, proprietário das fazendas Araripe e Caiçara, fez uma promessa a São João Batista: se a doença poupasse Exu, ele iria à França buscar uma imagem do santo e construiria uma igreja para abrigá-la. A bisavó do Rei do Baião se abrigou na Fazenda Caiçara durante a peste de cólera. E foi na igreja de São João Batista que os pais de Gonzagão, Januário e Santana, se casaram.
Maria do Socorro Silva Moreira, Raizeira - Com orações, cantos, raízes e garrafadas,  elas preservam os saberes e as práticas da Caatinga (Foto: José Medeiros)(Foto: José Medeiros)
O teiú é um lagarto que vive no sertão. Quando picado por cobra, ele busca se curar do veneno mascando uma batata. O tubérculo é usado pelas curandeiras para tratamento de inflamação.

Socorro é raizeira e prepara as famosas garrafadas, populares em todo o Nordeste. Não se sabe exatamente a origem das garrafadas, preparadas com raízes e plantas medicinais, mas alguns pesquisadores acreditam que elas possam ser derivadas de formulações feitas pelos jesuítas no século XVI, conhecidas como Triaga Brasilica, à base de vinho, mel e ingredientes secretos. As garrafadas também estão presentes na medicina indígena e nos ritos afro-brasileiros.
Socorro só busca suas plantas na mata. Não adianta plantar. As plantas que os outros veem não servem pra nada, diz. Elas têm de ser nativas. Tiú, cipó-de-vaqueiro, manjerioba, jurema-
branca, jurema-preta.
Curioso, eu penso: a alquimia dos jesuítas também tinha essa dimensão sagrada, secreta.
Quem te ensinou a fazer garrafadas?
Ninguém ensina nada a gente, não. A gente já nasce ensinado. Desde pequena eu já tinha visão de fazer remédio. Aí um dia eu levei uma queda de um jumento e bati com o joelho no chão. Eita queda desmantelada! A bolacha do joelho foi para trás. Passei um ano e quatro meses sem andar, deitada no chão numa esteira.
Numa noite de São João, lembra Socorro, todo mundo foi para a festa no Araripe, pras novenas, e ela ficou sozinha em casa. Pedi a meu pai que fizesse uma fogueira no quintal e deixasse a porta aberta para eu podê ver de onde eu estava deitada. Eles foram todos pra festa e eu fiquei só, mais D’us e um cachorro. Aí eu pedi a São João Batista: você é Rei, você é tão forte que foi quem batizou Jesus. Por isso estou te pedindo, implorando ajuda para andar de novo.
Ela foi dormir e, quando deu cinco horas da manhã, Socorro viu um homem bem alto, com roupa branca e um livro debaixo do braço. Ele olhou pra mim e disse ‘tá pensando que vai morrer, minha filha?’ Eu disse ‘tô’. ‘Mas não vai. Você vai servir tanta gente ainda.’ Eu disse ‘aleijada?!’. ‘Não, minha filha, que tudo que tem começo tem fim. Daqui a três dias você estará boa.’ Aí ele me passou a receita de uma garrafada, que eu anotei em um pedaço de papelão. As plantas só tinha na Serra do Araripe e meu pai foi caçar. A garrafada tinha de ficar sete dias enterrada num buraco feito de frente para onde o sol nasce. Com três dias, eu já estava caminhando.
Socorro virou evangélica. Mas eu disse a eles que tinha algumas condições, que as minhas origens com D’us ninguém empatava. Não quero nem conversa! Porque eu tenho um trato com João Batista. O pastor concordou.
Mestre Joaquina,  da tribo Pankará - Com orações, cantos, raízes e garrafadas,  elas preservam os saberes e as práticas da Caatinga (Foto: José Medeiros)Minha história não é a que o povo sabe. Minha história é sofredora. Eu nasci embolada de sarampo. Quando tinha dois anos, o pai se juntou a uma menina de 13 anos e largou a minha mãe. Desgostosa, ela bebeu formicida Tatu, mas o veneno estava estragado. Ela não morreu, mas ficou muito doente e a minha avó levou ela embora mais minha irmã de cinco anos pro Mato Grosso. Chegou lá, minha mãe morreu, depois morreu minha avó. Minha irmã ficou com minha tia. Elas ficaram pra lá, eu fiquei pra cá.
A mulher do meu pai judiava muito de mim, diz Socorro. Minha outra avó veio me buscar. Morei com ela dois anos, mas ela morreu também. Tudo que me pertencia morria. Voltei para o sofrimento de novo. Aí eu pensei: quer saber de uma coisa, D’us é grande e o mundo é largo. Eu não tô amarrada aqui. Casei e fui-me embora. Tive quatro filhos - três homens e uma mulher.
Como você escolhe as raízes?
É intuição que vem da minha cabeça. Quando chego na mata eu converso com as plantas. Olho pra elas, aliso e digo olha, eu tenho tanta dó, mas eu vou pedir a vocês uma casca, uma plantinha só. Eu não estou enricando, não tenho ganância por nada. Eu só quero que uma pessoa fique boa, tem uma pessoa sofrendo tanto, uma doença comprida. Eu posso tirar uma casca? Eu sei que você não é minha, não lhe plantei. Eu prometo que não lhe mato.
As rezadeiras
Uma espada branca de madeira é o principal instrumento da rezadeira no congá. Ela coloca a espada de São Jorge e Santa Bárbara na testa da pessoa. Sempre eu tive visão das coisas, só que eu não entendia o porquê dessa sabedoria que D’us estava me dando. Eu peço ajuda aos guias da mata.Às terças e quartas-feiras, é dia de reza na casa de Maria Anunciação Barros, a Dona Neta, de 61 anos, na rua Eufrazio de Alencar, no centro de Exu. No congá (altar) de Neta há imagens de São Jerônimo, do Doutor Tarcio, um médico da cidade que morreu nos anos 70, e da Santa Joana d’Arc, santa padroeira da França e uma das chefes militares da Guerra dos Cem Anos.

Eu não incorporo, eu rezo e peço iluminação. Os guias encostam em mim e me dão poder. Isso aqui é um sofrimento. Não tenho o direito de fazer o que a gente deveria fazer da vida. Tenho de ser toda certinha, não posso mentir, não posso arrumar uma paquera. Pra receber os poderes dos guias da mata, não posso pecar, tenho de ser como uma criança de 10 anos.
Maria Anunciação Barros, a Dona Neta, Rezadeira - Com orações, cantos, raízes e garrafadas,  elas preservam os saberes e as práticas da Caatinga (Foto: José Medeiros)No topo da Serra do Arapuá, no município de Carnaubeira da Penha, Pernambuco, a mestre Joaquina, de 97 anos, canta suas toantes, uma das tradições do povo Pankará. Ela já perdeu a conta de quantas crianças nasceram em seus braços (dizem que cerca de 800), inclusive netos e tataranetos.
Eu não sou mestre, eu não sou nada. Sou um viajeiro errante nessa estrada, canta Joaquina, que é a mais idosa detentora dos saberes ancestrais da tradição Pankará. Parteira, rezadeira, benzedeira e raizeira, ela atribui seus feitos aos “encantadores da natureza”. Reverenciada pelos quase 4 mil indígenas que vivem naquela serra, ela é conhecida como a “mãe de todos”. Joaquina durante muitos anos foi tachada de feiticeira e macumbeira pelos brancos e obrigada a praticar seus rituais às escondidas. Hoje, muitos vão à serra procurar ajuda da curandeira indígena.
*Colaborou Alvaro Severo, de Serra Talhada (PE)
Luiz Gonzaga (Foto: Acervo Rio Gráfica Editora)
A HISTÓRIA DA SAMARICA
Os médicos nordestinos são os primeiros a reconhecer a importância das parteiras para o Sertão. O obstetra Zé Dantas, parceiro de Luiz Gonzaga, dedicou às comadres uma de suas mais lindas e longas canções. A versão completa de “Samarica parteira”, com dez minutos de duração, foi gravada em 1973 por Luiz Gonzaga, o peão Lula.
Capitão Barbino, apavorado com a dô de menino de sua mulher, Juvita, manda seu peão Lula montar na bestinha melada e riscar ligeiro para buscar a parteira. Quando ele já ia riscando, Barbino ainda ameaça: olha, Lula, vou cuspi no chão, hein! Tu tem que vortá antes do cuspe secá!
E lá se vai Lula atrás de Samarica, abrindo cancelas, atravessando lagoas, sapecando a pobre égua, na maior carreira, até chegar à casa da parteira. Samarica, é Lula... Capitão Barbino mandou vê a senhora que Dona Juvita tá com dô de menino.
E risca de volta, com a parteira, à fazenda. Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic nheeeiim... pá! Piriri tic tic piriri tic tic bluu oi oi bluu oi, uu, uu. Patateco teco teco, patateco teco teco, patateco teco teco.
Samarica chegou, ele grita para o Capitão. Samarica sartou do cavalo véi, cumprimentou o Capitão, entrou prá camarinha, vestiu o vestido verde e amerelo, padrão nacioná, amarrou a cabeça c’um pano e foi dando as instrução: acende um incenso. Boa noite, D. Juvita. A moça reclama da dô. É assim mermo, minha fi’a, aproveite a dô. Chama as muié dessa casa, p’a rezá a oração de São Reimundo, que esse cristão vem ao mundo nesse instante. Capitão Barbino, bote uma faca fria na ponta do dedão do pé dela, bote. Mastigue o fumo, D. Juvita. Aguenta nas oração, muié.
Ai, Samarica, chora Juvita. Se eu soubesse que era assim, eu num tinha casado com o diabo desse véi macho.
Pois é assim merm’ minha fi’a, vosmecê casou com o vein’ pensando que ele num era de nada? Agora cumpra seu dever, minha fi’a. Desde que o mundo é mundo que a muié tem que passar por esse pedacinho.
Nasceu, é menino (choro de criança). E é macho!  Ah, se é menino homem, olha se é? Venha vê os documento dele! E essa voz! Capitão Barbino foi lá detrás da porta, pegou o bacamarte que tava guardado há mais de oito dia, chegou no terreiro, destambocou no oco do mundo, deu um tiro tão danado que lascou o cano. Lascou, Capitão? Lascou, Samarica. É, mas em redor de 7 légua não tem fi’ duma égua que num tenha escutado. Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o nome do menino... é Bastião.
*Matéria publicada originalmente na edição de março de 2019 da Globo Rural

domingo, junho 09, 2019

EM 1901, DUAS MULHERES ENGANARAM UM PADRE. E SE CASARAM NA IGREJA CATÓLICA

Marcela Gracia Ibeas e Elisa Sánchez Loriga
Wikimedia Commons

Era 8 de junho de 1901 quando Mario Sanchez e Marcela Gracia, grávida de dois meses, subiram ao altar da Igreja Paroquial de São Jorge, em Corunha, na Espanha. Havia poucos parentes no local, e Víctor Cortiella, o padre da paróquia, realizou uma cerimônia curta. Os votos foram validados. Todavia, o padre não imaginava que, naquele momento, tinha realizado um dos primeiros casamentos entre pessoas do mesmo sexo na história da Igreja Católica da Espanha.
Mario Sanchez era, na verdade, Elisa Sanchez. A mulher assumiu a identidade do primo, morto num naufrágio. O motivo? Uma paixão desenfreada por Marcela Garcia, que começou muito antes do episódio insólito. As duas se conheceram quando estudavam na Escola de Formação de Professores em Coruna – era uma escola para formar futuros educadores de ensino fundamental.
Contudo, perceberam que o sentimento era maior que uma simples amizade. Quando os pais de Garcia perceberam a relação entre as duas, e temeram uma possível polêmica, a enviaram para Madri. A tentativa foi em vão.

terça-feira, junho 04, 2019

10 histórias de cordel baseadas nas grandes mulheres negras da história do Brasil



“Talvez você nunca tenha conhecido a trajetória de sequer uma mulher negra na história do Brasil, não é? Mesmo na escola, nas aulas sobre o período da colonização e da escravidão, é provável que você não tenha lido ou ouvido falar sobre nenhuma líder quilombola, nem mesmo sobre líderes que foram tão importantes para comunidades enormes.
Essa ausência de conhecimento é um problema profundo no Brasil. Infelizmente, na escola não temos acesso a nomes como o de Tereza de Benguela, por exemplo, que recentemente se tornou símbolo nacional, quando o dia 25 de Julho foi oficializado como o Dia de Tereza de Benguela. Ainda assim, há grandes chances de que essa seja a primeira vez em que esse nome lhe salta aos olhos.
Para conhecer as histórias de luta dessas mulheres, é preciso mergulhar em uma pesquisa pessoal, que antes de tudo precisa ser instigada. Mas se as escolas e Universidades nem mesmo mencionam a existência de mulheres negras que concretizaram grandes feitos no Brasil, como a curiosidade das pessoas será despertada?”
Foi partindo desta ideia de que é preciso dar a volta e recolocar essas mulheres na história que Jarid Arraes resolveu escrever histórias biográficas de Cordel sobre 10 grandes mulheres negras da história do Brasil. Segundo publicação do próprio no site da Ceet – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desiguldades, ele resolveu lançar essas histórias que “contam as trajetórias e conquistas”, pois assim, “em sala de aula ou passando de mão em mão, a Literatura de Cordel pode servir como um rico material para que essas histórias sejam repassadas e discutidas.
A ideia é inovadora e espetacular: somente com informação poderemos ter mais lados de nossas história e, principalmente, conhecer mais daquilo que nos formos. Nesses cordéis, segundo Jarid, “é possível conhecer Zeferina, líder do quilombo de Urubu, Anastácia, uma escrava que até hoje é cultuada como santa, Maria Felipa, que foi líder nas batalhas pela independência da Bahia, e Antonieta de Barros, a primeira deputada negra do Brasil.” Assim, “passo a passo, grandes injustiças históricas podem ser eliminadas, trazendo à tona a memória de guerreiras e mulheres negras brilhantes que foram de enorme importância para o Brasil.”, afirma ele.
Para começar, leia no Questão de Gênero o cordel que conta a história de Tereza de Benguela, disponível gratuitamente.
Conheça todos os cordéis biográficos em www.jaridarraes.com/cordel

segunda-feira, junho 03, 2019

1ª greve geral do país, há 100 anos

FONTE: BBC
Essa primeira greve, acontecida no Brasil, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias.
Trabalhadores no Cotonifício Crespi, na Mooca, São Paulo, em 1917

 Em junho de 1917, décadas antes da consolidação das leis trabalhistas no Brasil, cerca de 400 operários - em sua maioria mulheres - da fábrica têxtil Cotonifício Crespi na Mooca, em São Paulo, paralisaram suas atividades.
Pediam, entre outras coisas, aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, que até então não eram garantidos por lei. Em algumas semanas, a greve se espalharia por diversos setores da economia, por todo o Estado de São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Era a primeira "greve geral" no país.
Mas uma das principais diferenças entre aquela e a greve geral convocada para esta sexta-feira, em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência, é que, em 1917, ela não foi anunciada como tal, disse à BBC Brasil o historiador Claudio Batalha, da Unicamp.
"Não é uma greve que já tivesse bandeiras gerais. Ela começa com questões específicas dos setores que vão aderindo ao movimento grevista, alguns por solidariedade. Depois é que a pauta passou a incluir desde reivindicações relacionadas ao trabalho até reivindicações de cunho político - libertação dos presos do movimento, por exemplo."
Uma destas questões específicas, menos comentada nos livros de história, era o assédio sexual. Segundo Batalha, parte da revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi era o assédio que sofriam dos chamados contramestres, funcionários que supervisionavam o chão de fábrica.
"Isso não era incomum na época. Greves anteriores já haviam começado contra determinado funcionário que tivesse um cargo de chefia e tirasse proveito desse poder", explica.

Crescimento

Mas se a convocação de 2017 reflete a insegurança causada pelo desemprego e pela recessão, em 1917, a indústria brasileira ia de vento em popa.
Na verdade, os lucros das empresas chegavam a duplicar a cada ano.
"Entre 1914 e 1917, com a Primeira Guerra Mundial, se passou de uma recessão econômica a um superemprego, porque os produtos brasileiros passaram a substituir os importados e a serem exportados", explica o historiador italiano radicado no Brasil Luigi Biondi, da Unifesp.
"Em 1914, o Cotonifício Crespi lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho."
Com o aumento da produção, as fábricas brasileiras, que tinham poucas máquinas, vindas do exterior, tiveram que usá-las por mais tempo. Isso significava que os operários passaram a trabalhar até 16 horas por dia, sem aumento de salário.
De acordo com Biondi, a insatisfação das mulheres se explica também pelo fato de que elas acompanhavam mais de perto a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores.
"Além de também serem operárias, porque naquele momento havia muito emprego para elas na indústria têxtil, elas também controlavam os gastos das famílias. Então viam o aumento acelerado da inflação dos produtos."
No final de junho, a paralisação dos operários do Crespi contagiou os 1.500 operários da fábrica têxtil Ipiranga. Em seguida, se espalhou pela indústria de móveis, concentrada no Brás, e chegou até a fábrica de bebidas da Antarctica.
"Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia", diz Biondi.
O movimento ganhou mais fôlego no dia 11 de julho, quando milhares acompanharam o enterro do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos.
Ele morreu com um tiro no estômago depois que uma unidade de cavalaria da polícia dispersou manifestantes que quebraram barris de cerveja diante da fábrica da Antartica, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, que noticiou o confronto.
"A partir daí, a greve se alastrou para quase todas as cidades do interior de São Paulo. Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba, Ribeirão Preto. Até Poços de Caldas, no sul de Minas, que não era uma cidade industrial, teve movimentos de greve", afirma o historiador.